As redes sociais são uma armadilha – Zygmunt Bauman
Ele é a voz dos menos
favorecidos. O sociólogo denunciou a desigualdade e a queda da classe média. E
avisou aos indignados que seu experimento pode ter vida curta.
Entrevista concedida a Ricardo
de Querol / Redator chefe do El País (8 janeiro de 2016)
Zygmunt Bauman, sempre se
estende, em cada explicação, porque detesta dar respostas simples a questões
complexas. Desde que colocou, em 1999, sua ideia da “modernidade líquida” – uma
etapa na qual tudo que era sólido se liquidificou, e em que “nossos acordos são
temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso” –, Bauman se tornou
uma figura de referência da sociologia. Suas denúncias sobre a crescente
desigualdade, sua análise do descrédito da política e sua visão nada idealista
do que trouxe a revolução digital o transformaram também em um farol para o
movimento global dos indignados, apesar de que não hesita em pontuar suas
debilidades.
Bauman volta a seu hotel junto
com o filósofo espanhol Javier Gomá, com quem debateu no Fórum da Cultura,
evento que terá sua segunda edição realizada em novembro e que traz a Burgos os
grandes pensadores mundiais. Bauman é um deles.
Você vê a desigualdade como uma “metástase”. A democracia está em
perigo?
O que está acontecendo agora,
o que podemos chamar de crise da democracia, é o colapso da confiança. A crença
de que os líderes não só são corruptos ou estúpidos, mas também incapazes. Para
atuar, é necessário poder: ser capaz de fazer coisas; e política: a habilidade
de decidir quais são as coisas que têm ser feitas. A questão é que esse
casamento entre poder e política nas mãos do Estado-nação acabou. O poder se
globalizou, mas as políticas são tão locais quanto antes. A política tem as
mãos cortadas. As pessoas já não acreditam no sistema democrático porque ele não
cumpre suas promessas. É o que está evidenciando, por exemplo, a crise de
migração. O fenômeno é global, mas atuamos em termos paroquianos. As
instituições democráticas não foram estruturadas para conduzir situações de
interdependência. A crise contemporânea da democracia é uma crise das
instituições democráticas.
Para que lado tende o pêndulo que oscila entre liberdade e segurança?
São dois valores extremamente
difíceis de conciliar. Para ter mais segurança é preciso renunciar a certa
liberdade, se você quer mais liberdade tem que renunciar à segurança. Esse
dilema vai continuar para sempre. Há 40 anos, achamos que a liberdade tinha
triunfado e que estávamos em meio a uma orgia consumista. Tudo parecia possível
mediante a concessão de crédito: se você quer uma casa, um carro… pode pagar
depois. Foi um despertar muito amargo o de 2008, quando o crédito fácil acabou.
A catástrofe que veio, o colapso social, foi para a classe média, que foi
arrastada rapidamente ao que chamamos de precariat
(termo que substitui, ao mesmo tempo, proletariado e classe média). Essa é
a categoria dos que vivem em uma precariedade contínua: não saber se suas
empresas vão se fundir ou comprar outras, ou se vão ficar desempregados, não
saber se o que custou tanto esforço lhes pertence… O conflito, o antagonismo,
já não é entre classes, mas de cada pessoa com a sociedade. Não é só uma falta
de segurança, também é uma falta de liberdade.
Você afirma que a ideia de progresso é um mito. Por que, no passado, as
pessoas acreditavam em um futuro melhor e agora não?
Estamos em um estado de
interregno, entre uma etapa em que tínhamos certezas e outra em que a velha
forma de atuar já não funciona. Não sabemos o que vai a substituir isso. As
certezas foram abolidas. Não sou capaz de profetizar. Estamos experimentando
novas formas de fazer coisas. A Espanha foi um exemplo com aquela famosa
iniciativa de maio (o 15-M), em que essa gente tomou as praças, discutindo,
tratando de substituir os procedimentos parlamentares por algum tipo de
democracia direta. Isso provou ter vida curta. As políticas de austeridade vão
continuar, não podiam pará-las, mas podem ser relativamente efetivos em
introduzir novas formas de fazer as coisas.
Você sustenta que o movimento dos indignados “sabe como preparar o
terreno, mas não como construir algo sólido”.
O povo esqueceu suas
diferenças por um tempo, reunido na praça por um propósito comum. Se a razão é
negativa, como se indispor com alguém, as possibilidades de êxito são mais
altas. De certa forma, foi uma explosão de solidariedade, mas as explosões são
muito potentes e muito breves.
E você também lamenta que, por sua natureza “arco íris”, o movimento não
possa estabelecer uma liderança sólida.
Os líderes são tipos duros,
que têm ideias e ideologias, o que faria desaparecer a visibilidade e a esperança
de unidade. Precisamente porque não tem líderes o movimento pode sobreviver.
Mas precisamente porque não tem líderes não podem transformar sua unidade em
uma ação prática.
Na Espanha, as consequências do 15-M chegaram à política. Novos partidos
emergiram com força.
A mudança de um partido por
outro não vai a resolver o problema. O problema hoje não é que os partidos
estejam equivocados, e sim o fato de que não controlam os instrumentos. Os
problemas dos espanhóis não estão restritos ao território nacional, são
globais. A presunção de que se pode resolver a situação partindo de dentro é
errônea.
Você analisa a crise do Estado-nação. Qual é a sua opinião sobre as
aspirações independentistas da Catalunha?
Penso que continuamos com os
princípios de Versalhes, quando se estabeleceu o direito de cada nação baseado
na autodeterminação. Mas isso, hoje, é uma ficção porque não existem
territórios homogêneos. Atualmente, todas as sociedades são uma coleção de
diásporas. As pessoas se unem a uma sociedade à qual são leais, e pagam
impostos, mas, ao mesmo tempo, não querem abrir mão de suas identidades. A
conexão entre o local e a identidade se rompeu. A situação na Catalunha, como
na Escócia ou na Lombardia, é uma contradição entre a identidade tribal e a
cidadania de um país. Eles são europeus, mas não querem ir a Bruxelas por
Madri, mas via Barcelona. A mesma lógica está emergindo em quase todos os
países. Mantemos os princípios estabelecidos no final da Primeira Guerra
Mundial, mas o mundo mudou muito.
As redes sociais mudaram a forma como as pessoas protestam e a exigência
de transparência. Você é um cético sobre esse “ativismo de sofá” e ressalta que
a Internet também nos entorpece com entretenimento barato. Em vez de um
instrumento revolucionário, como alguns pensam, as redes sociais são o novo
ópio do povo?
A questão da identidade foi
transformada de algo preestabelecido em uma tarefa: você tem que criar a sua
própria comunidade. Mas não se cria uma comunidade, você tem uma ou não; o que
as redes sociais podem gerar é um substituto. A diferença entre a comunidade e
a rede é que você pertence à comunidade, mas a rede pertence a você. É possível
adicionar e deletar amigos, e controlar as pessoas com quem você se relaciona.
Isso faz com que os indivíduos se sintam um pouco melhor, porque a solidão é a
grande ameaça nesses tempos individualistas. Mas, nas redes, é tão fácil
adicionar e deletar amigos que as habilidades sociais não são necessárias. Elas
são desenvolvidas na rua, ou no trabalho, ao encontrar gente com quem se
precisa ter uma interação razoável. Aí você tem que enfrentar as dificuldades,
se envolver em um diálogo. O papa Francisco, que é um grande homem, ao ser
eleito, deu sua primeira entrevista a Eugenio Scalfari, um jornalista italiano
que é um ateu autoproclamado. Foi um sinal: o diálogo real não é falar com
gente que pensa igual a você. As redes sociais não ensinam a dialogar porque é
muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para
ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de
zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes,
onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são
muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha.
Livro:
Estado de crise. Zygmunt Bauman e Carlo Bordoni. Editora Zahar.
Fonte:
El País – Brasil
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