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domingo, 8 de abril de 2018

Fábula A melhor e a pior comida do mundo



          Há mais de mil anos, um rico mercador grego tinha um escravo corcunda, feio, mas de uma sabedoria única no mundo. Um escravo chamado Esopo. Certa vez, para provar as qualidades de seu escravo, o mercador ordenou:
          - Toma Esopo. Aqui está este saco de moedas. Corre ao mercado. Compra lá o que houver de melhor para um banquete. A melhor comida do mundo!
          Pouco tempo depois, Esopo voltou do mercado e colocou sobre a mesa um prato coberto por fino pano de linho. O mercador levantou o paninho e ficou surpreso:
          - Ah, língua? Nada que a boa língua que os pastores gregos sabem tão bem preparar. Mas por que escolheste exatamente a língua como a melhor comida do mundo?
          O escravo, de olhos baixos, explicou sua escolha:
          - O que há de melhor do que a língua, Senhor? A língua é que nos une a todos, quando falamos. Sem a língua não poderíamos entender. A língua é a chave das ciências, o órgão da verdade e da razão. Graças à língua é que se constroem as cidades, graças à língua podemos dizer o nosso amor. A língua é o órgão do carinho, da ternura, do amor, da compreensão. É a língua que torna externo os versos dos grandes poetas, as ideias dos grandes escritores. Com a língua se ensina, se persuade, se instrui, se reza, se explica, se canta, se descreve, se elogia, se demonstra, se firma. Com a língua dizemos “MÃE QUERIDA” e “DEUS”. Com a língua dizemos “EU TE AMO!”. O que pode haver de melhor do que a língua, Senhor?
          O mercador levantou-se entusiasmado:
          - Muito bem, Esopo! Realmente tu me trouxeste o que há de melhor. Toma agora esta outra sacola de moedas. Vai de novo ao mercado e traze o que houver de pior, pois quero ver a sua sabedoria.
          Mais uma vez, depois de algum tempo, o escravo Esopo voltou do mercado trazendo um prato coberto com um pano. O mercador recebeu-o com um sorriso:
          - Hum... Já sei o que há de melhor. Vejamos agora o que há de pior.
          O mercador descobriu o prato e ficou indignado:
          - O que? Língua? Língua outra vez? Língua? Não disseste que a língua era o que havia de melhor? Queres ser açoitado?
          Esopo baixou os olhos e respondeu:
          - A língua, Senhor, é o que há de pior no mundo. É a língua que separa a humanidade, que divide os povos. É a língua que usam os maus políticos quando querem nos enganar com suas falsas promessas. É a língua que usam os vigaristas quando querem nos trapacear. A língua é o órgão da mentira, da discórdia, dos desentendimentos das guerras, da exploração. É a língua que mente, que esconde, que engana, que explora, que blasfema, que insulta, que se acovarda, que mendiga, que xinga, que bajula, que destrói, que calunia, que vende, que seduz, que corrompe. Com a língua dizemos “MORRE” e “CANÁLIA” e “DEMÔNIO”. Com a língua dizemos “NÃO!”. Com a língua dizemos “EU TE ODEIO!”. Aí está, Senhor, porque a língua é a pior e a melhor de todas as coisas.

Adaptação feita por Pedro Bandeira do trecho da peça teatral “A raposa e as uvas”, de Guilherme de Figueiredo

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