Letícia
Mori, da BBC Brasil em São Paulo
'Mama and Babe', de Sarah Irani, foi doado pela própria artista
A região metropolitana de Boston, nos EUA, abriga o único museu do mundo
dedicado a exibir obras de arte que jamais estariam nas casas tradicionais de
exposição.
O Moba (Museum of Bad Art, ou Museu da Arte Ruim) foi criado quando o
vendedor de antiguidades Scott Wilson encontrou, em uma lixeira da cidade, a
pintura do retrato de uma senhora de vestido azul, em 1994.
Interessado na moldura que se encontrava em perfeito estado, ele levou a
obra para casa e mostrou para seu amigo Jerry Reilly. Ele não só ficou com a
peça como iniciou a partir dela uma coleção de arte feia com ajuda de sua
mulher, Marie Jackson, e de seus amigos Tom Stankowicz e Louise Reilly Sacco.
O quadro Lucy in The Sky With Flowers foi a primeira obra do museu
Nomeada Lucy in The Sky With Flowers, de autor desconhecido, a pintura é
até hoje uma das piores do museu.
Vinte e quatro anos depois, o Moba tem duas galerias físicas e quase 800
obras únicas em acervo – diversas das quais também retiradas do lixo.
Com o slogan "arte ruim demais para ser ignorada", o museu tem
o objetivo de "trazer o pior da arte para as mais amplas audiências".
A obra 'Dissent From the Pedestal' é uma tentativa de retratar
a Estátua
da Liberdade caída no chão
Indicado em diversos roteiros turísticos sobre Boston, ele recebe de 600
a 700 visitantes por mês.
A entidade não tem fins lucrativos e não cobra entrada. É mantida com
doações, venda de lembrancinhas e ajuda de voluntários.
Dos criadores, apenas Louise Reilly continua envolvida com a
instituição, que administra com ajuda do curador-chefe Michael Frank, que ajuda
como voluntário desde o início do projeto.
Aparentemente fã da obra De Melkmeid (1658-1661), de Johannes Vermeer,
o
artista escolheu alegrar o ambiente austero da pintura original com um
adorável
buquê de flores
Frank conta que, quando o museu foi criado, os envolvidos nem imaginavam
que ele ira durar tanto tempo.
"Achamos que seria um projeto interessante que duraria alguns anos.
Mas a cobertura da mídia deu um impulso que continua até hoje", diz ele à
BBC News Brasil.
Crescimento inesperado
O museu mudou de endereço algumas vezes. Começou na casa de Reilly e
Jackson, mas precisou mudar pelo grande fluxo de visitantes – que fugiu do
controle depois que um ônibus de turistas idosos foi ao local visitar as obras.
Depois a galeria foi para o porão de um teatro comunitário, onde ficou até
2012. Hoje, a sede fica no porão de outro teatro, o de Sommerville.
Com uma intrigante composição, a obra 'The Answered Prayer',
de autor
anônimo, deixa o espectador sem saber o que pensar
Por uma questão de espaço, cerca de 50 obras são exibidas por vez, com
direito à ficha artística completa de cada uma delas.
Interpretações
"Como qualquer outro museu respeitável, sempre incluímos
informações e interpretações sobre a arte que compartilhamos com o
público", diz Frank.
Sob o quadro Jazz Hands (Mãos de Jazz), um retrato da cantora Liza
Minelli doado pela autora da obra, a descrição explica o meio utilizado: tinta
acrílica e mofo sobre tela.
"Apesar de seu infeliz corte de cabelo que estava na moda na época,
a presença de palco marcante de Liza Minelli no auge da carreira é evidente
neste retrato", diz a descrição. "O que parece ser um acúmulo de
pelos no peito da estrela do pop é na verdade mofo; a artista achou que sua
falta de experiência com tinta e pincel a fez errar o alvo, então, guardou sua pintura
em uma garagem úmida por 27 anos."
O quadro 'Jazz Hands', que tenta fazer um retrato da cantora
Liza
Minelli, é um dos favoritos do curador
"As pessoas veem que nossos comentários são divertidos,
interessantes e informativos, mas nunca maldosos", diz o curador.
Em um dos quadros de paisagem – Greenscape, de autor anônimo – a
descrição anuncia: "O bilho verde-vômito que domina a paisagem pode
indicar que o artista não está muito bem disposto; nem mesmo o Super-Homem
ficaria bem nesse ambiente carregado de criptonita."
Critérios
Um dos quadros favoritos do curador é o "The Answered Prayer" (A
Prece Atendida), doado por uma mulher que o encontrou no lixo na Califórnia.
"Recebemos doações de fãs de todos os lugares dos Estados Unidos, do
Canadá, da Europa, da Austrália e da Nova Zelândia", diz Frank.
'Greenscape', de autor anônimo, foi comprada pelo curador
em um brechó
em Boston
Mas se engana quem pensa que qualquer coisa é aceita: o Moba tem regras
muito rígidas para o recebimento de trabalhos. É preciso que as peças sejam uma
tentativa autêntica de produzir arte que tenha dado errado por algum motivo.
Não são aceitas peças feitas por crianças, obras criadas com kits de
pintura, quadros intencionalmente kitsch ou produzidos em série, como aqueles
prontos comprados em lojas de decoração.
Inspirada por uma fotografia do presidente americano John F. Kennedy
feita por Cecil Stoughton, essa obra de autor anônimo é descrita como 'a imagem
mais repugnante de um dos líderes mais fotogênicos que o mundo já conheceu'
Em um livro lançado em 2008, Louise Reilly e Frank indicam que esse tipo
de trabalho seria mais apropriado em lugares como um "Museu do Gosto
Questionável" ou em um "Tesouro Nacional de Decoração Doméstica
Duvidosa".
O Moba recebe cerca de dez doações por ano, além das peças encontradas
pelo curador. No início, as pessoas enviavam muitas obras que acabavam
rejeitadas. "Hoje em dia é mais comum mandarem uma foto por e-mail antes
de fazem a doação", diz Frank.
Recompensa
Apesar do valor inexpressivo de sua coleção no mercado da arte, o Moba
já sofreu diversos furtos. Em 1996, a pintura Eileen, que havia sido encontrada
no lixo por Scott Wilson, sumiu da galeria do museu, que ofereceu uma
recompensa de US$ 6,50 (R$ 25) por ela, aumentada depois para US$ 36,73 (R$ 143
reais). Em 2006, dez anos depois, a obra foi devolvida.
'A Mariachi in Tiananmen Square', ou 'Um Mariachi na Praça
Tiananmen', é
um obra inspirada pela famosa foto de Jeff Widens de
um protesto na China em
1989
Depois do roubo, o museu instalou uma câmera de segurança falsa e um
alerta escrito em fonte Comic Sans: "Cuidado! Essa galeria é protegida por
uma câmera falsa de segurança."
Segundo Frank, outros roubos aconteceram desde então, o que deixou o
museu receoso de exibir peças pequenas, que podem ser facilmente escondidas.
Expandindo horizontes
O acervo é praticamente só de pinturas, mas o curador insere outras
formas de arte nas exibições itinerantes do museu.
'Charlie and the Sheba' foi feita antes da invenção do aplicativo Face
Swap
"Fiz uma playlist de músicas ruins que tocamos em eventos do
Moba", conta Frank. "Ela inclui coisas como versões 'lounge' de
músicas do Bob Dylan, covers de heavy metal interpretados pelo cantor Pat Boone
e um excelente disco da Mary Schneider, que canta música clássica em estilo
tirolês."
Além de exposições itinerantes, o Moba costuma também participar dos
eventos do prêmio IgNobel, já que Sacco é também voluntária na premiação - que
homenageia as pesquisas científicas mais inúteis, uma paródia do Prêmio Nobel.
Quanto à possibilidade do Moba abrigar performances artísticas ruins, o
curador diz que não saberia "nem como começar" algo do tipo.
"Acho esse gênero duvidoso", afirma.
Duas figuras humanoides e um cachorro assustado fazem
parte da obra 'The
Cupboard Was Bare'
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