O Salário não é a principal fonte de insatisfação dos brasileiros dentro
das empresas. Mais do que uma remuneração condizente com o que seria justo pelo
seu trabalho, as pessoas querem ser reconhecidas e valorizadas dentro das
organizações. Ser mais uma peça da engrenagem é um fardo nos tempos atuais,
defende o filósofo Mário Sérgio Cortella.
Reconhecimento é a melhor forma de estimular alguém: O Salário não é a
principal fonte de insatisfação dos brasileiros dentro das empresas. Mais do
que uma remuneração condizente com o que seria justo pelo seu trabalho, as
pessoas querem ser reconhecidas e valorizadas dentro das organizações. Ser mais
uma peça da engrenagem é um fardo nos tempos atuais, defende o filósofo Mário
Sérgio Cortella.
Docente, educador, palestrante e consultor de empresas, Cortella afirma
que a principal causa da atual desmotivação é a ausência de reconhecimento. E
ela manifesta-se de várias formas: do chefe injusto à falta de valorização em
cada projeto e tarefa. Não é uma questão puramente de promover o elogio
desmesurado, mas uma forma de “dar a energia vital ao funcionário para
continuar fazendo e seguindo em frente”.
É principalmente evitar a mensagem de que “não ser mandado embora já é um elogio” ou que “o silêncio é a melhor maneira de dizer que está tudo em ordem”.
Em seu novo livro, Mário Sérgio Cortella fala sobre reconhecimento e de
outras questões que considera inerentes à insatisfação de muitas pessoas hoje
em relação ao próprio emprego. Em “Por Que Fazemos O Que Fazemos”
[Editora Planeta], o professor reflete sobre propósito e por que as pessoas
almejam empregos que conciliam uma satisfação pessoal e a certeza de não
realizar um esforço “inútil” dentro da sociedade. Este tipo de aflição ganha
maior evidência com a geração millennial
que passou a almejar um “projeto de vida
que não soe como conformado”, ou seja, do trabalho pelo trabalho.
É sonhar com o trabalho grandioso, com uma rotina que não seja monótona,
com um ‘projeto que faça a diferença’. Por outro lado, é uma geração também que
chega – em parte – com pouca disciplina, que tem ambição e pressa, que vê seus
desejos como direitos – e ignora os deveres.
Todas essas aflições corporativas têm moldado a forma de atuar das
empresas e das pessoas na hora de se associarem a um emprego. Em momentos de
crise econômica, elas ganham um nível de contestação ainda maior. Em entrevista
à Época NEGÓCIOS, Cortella comenta esses dilemas e mudanças, os “senões” de se
fazer o que se ama e por que há uma “obsessão enorme por uma ideia de
felicidade que não existe”:
As pessoas não querem mais
somente um salário mais alto, querem acreditar que fazem algo importante,
autoral. Por que a necessidade de ter propósito ganhou maior relevância? É uma
questão geracional?
Ela é mais densa e angustiante na nova geração que enxerga muitas vezes
na geração anterior, que a criou, certa estafa em relação ao propósito. É muito
comum que jovens e crianças enxerguem hoje nos pais algum cansaço e até
tristeza naquilo que fazem. O pai e mãe dizem “eu trabalho para sustentar, esse
é meu trabalho”. Há uma grande conformidade. E essa conformidade de certa forma
acabou marcando uma nova geração, a millennial,
que traz aí a necessidade de ter algum projeto de vida.
Eles não querem repetir um modelo que, embora esforçado, dedicado e
valoroso soa, de certa maneira, como conformado. Hoje há uma aflição muito
grande na nova geração de maneira que se traduz numa expressão comum: “eu quero
fazer alguma coisa que me torne importante e que eu goste”. A geração anterior
tinha um pouco essa preocupação, mas deixou um tanto de lado por conta da necessidade.
Quando o Sr. se refere à geração Y, aos millennials, está considerando um recorte ou o todo?
Claro que temos recortes. Não estou falando de quem está atrelado ao
reino da necessidade, que precisa trabalhar sem discussão porque precisa
sobreviver. Esta é uma questão de outra natureza. O termo millennial que eu adoto, como muitos, é aquele que cunharam para
quem nasceu a partir dos anos 1990. E essa geração tem recortes mais diretos em
relação à camada social.
Evidentemente se você considerar aqueles que são escolarizados, têm boa
condição de vida e que estão acima da classificação oficial da classe D, essa
geração tem mais possibilidade de escolha à medida que a sobrevivência imediata
não é uma questão. Ela pode viver até mais tempo com os pais e ser por eles
sustentada. Isso vem acontecendo. Já integrantes das classes D e E têm mais
dificuldade – uma parcela às vezes encontra sobrevivência na transgressão, no
crime de outra natureza e outros encontram aquilo que é o trabalho suplicial
que o dia a dia coloca sem escolhas.
Como o senhor diz no seu livro
até para ser mochileiro, você precisa ser livre de uma série de restrições…
Sim, você precisa dominar outro idioma, saber se virar. Há uma diferença
entre um filho meu, de camada média, com uma mochila nas costas andando pela
rua em relação ao modo que ele se conduz, à maneira como ele se dirige às
pessoas do que ele ser, por exemplo, um andarilho. Uma pessoa pode até ser
mochileira, mas ela já tem condições prévias que a tornam uma mochileira com
menos transtornos do que como seria de outro modo.
O senhor diz frequentemente
que, para fazer o que se gosta, é preciso fazer uma série de coisas das quais
não se gosta. Esse entendimento provém de uma educação na empresa, da família
ou escola?
É uma questão de formação familiar. Hoje há uma nova geração que,
especialmente nas classes A, B e C, cresceu com facilitações da vida. Hoje a
gente até fala em “adolescência estendida” que vai até aos 30 anos e não
necessariamente até os 18 anos. São as pessoas que continuam vivendo com os
pais, sob sustentação.
Isso acabou levando também a uma condição, que uma parcela dos jovens
entende que “desejos são direitos”, que vão obter aquilo porque é desejo deles
e um outro vai providenciar. Cria-se assim a perspectiva equivocada de que as
coisas podem ser obtidas sem esforço. Mas sabe, eu lembro sempre, trabalhar dá
trabalho. Como costumo dizer: “só mundo de poeta que não tem pernilongo”. É
óbvio que isso não anula a riqueza que essa nova geração tem de criatividade,
expansividade, de receptividade em relação a vários modos de ser. Uma geração
mentalmente rica, mas que precisa de um disciplinamento – que não é torturante,
mas pedagógico – e que começa na família e vai encontrando abrigo na empresa.
Essas estruturas são importantes para que essa energia vital não se
dissipe. É preciso organizar essa energia de modo que não se perca com
inconstâncias, para ser algo que possa de fato gerar benefício para o indivíduo
e para a comunidade dele.
As empresas ainda não sabem
lidar, de forma geral, com a energia desses jovens?
Não, elas ainda estão começando a aprender. Há algumas que já possuem
uma certa inteligência estratégica e estão se preparando e preparando seus
gestores para que acolham essa nova geração como um patrimônio e não como um
encargo. Porque quando você acolhe a nova geração como um encargo, em vez dela
ser “sangue novo”, ela se torna algo que é perturbador. E é claro que não é só
o jovem que tem de se preparar para essa condição. É necessário que a pessoa
que a receba seja acolhedora, mas que também se coloque em uma postura de
humildade pedagógica. Que ela saiba que vai aprender muito com alguém que chega
com novas habilidades que a geração anterior não tem. Lidar nos dois polos de
maneira que equipes multigeracionais ganhem potência em vez de entrarem em
situação de digladio ou confronto.
Nesses dois polos, os
profissionais mais seniores ficam inseguros com receio de que seu papel não
seja mais relevante nas organizações. Como eles podem lidar com esse novo
cenário?
Eu só conseguirei ter essa percepção de que estou ficando para trás se
eu deixar de lançar mão daqueles que chegam com coisas que eu ainda não
conheço. E aí eu não vou ter só a percepção, eu vou ficar mesmo para trás. A
gente aprende muito com quem chega, mas a gente também tem o que ensinar. Tem
dois princípios que precisamos implantar: 1) quem sabe, reparte 2) quem não
sabe, procura. Se eu formar seniores e juniores nesses dois princípios, de um
lado vai ter generosidade mental e de outro a humildade intelectual.
Essas duas trilhas virtuosas serão decisivas para que a gente construa
maior potência no que precisa ser feito.
Com todos esses dilemas e
mudanças, a ambição é necessária? Uma pessoa ambiciosa é boa ou perigosa para a
empresa?
A pessoa ambiciosa é aquela que quer ser mais e melhor. É diferente de
uma pessoa gananciosa, que quer tudo só para si a qualquer custo. Uma parte do
apodrecimento que nosso país vive no campo da ética hoje se deve mais à
ganância do que à ambição. Eu quero um jovem ambicioso. Eu, Cortella, sou
ambicioso. Quero mais e melhor. Mais e melhor conhecimento, mais e melhor
saúde. Mas não quero só para mim e a qualquer custo. A ganância é a desordem da
ambição. É quando você entra no distúrbio que é eticamente fraturado. Por isso,
é necessário que uma parte dos jovens seja ambiciosa. Um ou outro tem sim essa
marca da ganância caso ele seja criado em uma família, estrutura, comunidade,
na qual a regra seja a pior de todas: “fazemos qualquer negócio”. E essa regra
é deletéria, é malévola aos negócios que, embora possam ser feitos, não devem
ser feitos.
A ambição é necessária, mas a
ganância tem que ser colocada fora do circuito.
E quando você junta ambição e
pressa?
Não é algo que traz bons resultados. Uma das coisas boas da vida não é
ter pressa, é ser veloz. Se você faz um trabalho apressadamente, você vai ter
que fazer de novo. Quando eu vou consultar médico, eu quero velocidade para
chegar à consulta, mas eu não quero pressa na consulta. Velocidade resulta de
perícia, habilidade, de ser alguém que tem competência no que faz. A pressa
resulta da imperícia. Por isso, o desenvolvimento da perícia, habilidade,
competência permite que se faça algo velozmente. E se sou veloz, aquilo que
resulta da minha ambição pode se transformar no meu êxito. Se sou apenas um
apressado, vou ter que lançar mão de trilhas escusas para chegar ao mesmo
objetivo – e o nome disso é Lava Jato.
O senhor aponta no livro que o
maior descontentamento atual dos funcionários nas empresas não é salarial, mas
a falta de reconhecimento. Por que a questão ganhou força nos últimos anos?
Hoje há um anonimato muito forte na produção. Como a gente tem uma
estrutura de trabalho em equipe muito grande, o trabalho em equipe quase leva à
anulação do reconhecimento do indivíduo. E isso significa que um trabalho em
equipe não prescinde da atuação de cada pessoa. É necessário que não se gere
anonimato. Eu insisto: reconhecimento não é só pecuniário, financeiro, é
autoral. É necessário que a empresa exalte, mostre quem colaborou com aquilo. À
medida que você tem reconhecimento, comemoração, celebração, isso dá energia
vital para continuar fazendo. Não se entende aquilo como sendo apenas uma
tarefa. O reconhecimento ultrapassa a ideia de tarefa. Não sei se seu pai fazia
isso, mas chegava em casa com o boletim da escola, altas notas, e ele dizia:
“não fez mais que a obrigação” – isto é altamente desestimulador. É preciso
reconhecer, dizer que é bacana, comemorar. Aquilo que estimula a continuar
naquela rota. Reconhecimento é a principal forma de estímulo que alguém pode
ter.
No livro, o senhor também cita
a obsessão por “uma tal ideia de felicidade” que acaba levando as pessoas a
viverem muito mais a expectativa do que a realização. Por que isto ocorre?
A felicidade não é o lugar onde você chega. A felicidade é uma
circunstância que você vivencia no seu dia a dia. Não tem “a felicidade”. Você
tem circunstâncias de felicidade, ocasiões, que quando vêm à tona não devem ser
deixadas de lado. Ninguém é feliz o tempo todo – isso seria uma forma de
idiotia – à medida que a vida tem suas turbulências.
Mas quando ela vier, admita a felicidade. Colocar a felicidade só num
ponto futuro, inatingível, isso é muito mais resultante de uma dificuldade de
lidar com a questão do que concretamente uma busca efetiva. Por isso, sim, a
felicidade é uma desejo porque o mundo tecnológico nos colocou em contato com
tantas coisas, mas nos deu uma certa marca de solidariedade, de ficar solitário
com relação àquilo que se tem, a uma ausência de contato muito forte.
Tudo é muito virtual e isso
acaba gerando desconforto interno, angústia nas pessoas. E a felicidade é um
nome que as pessoas dão para superar essa angústia. O que é felicidade para o
sr?
É a que eu tenho na minha vivência. Quando percebo uma obra feita, uma
aula bem dada, um abraço sincero, afeto verdadeiro, conquista merecedora. São
meus momentos de felicidade. Não são um lugar onde desejo chegar.
Postado
originalmente por: A grande arte de ser feliz
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