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quinta-feira, 5 de abril de 2018

Para gosta de ler


A Estranha Passageira





O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de voo e riu nervosinha, coitada. Depois pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem. Lá se is a oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no aeroporto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacana respondendo que estava às suas ordens.


Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente. Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos aqueles pacotes. Depois não sabia como amarra o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.


Afinal estava ali pronta pra viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula.


           - Para que esse saquinho aí? – foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio ou em São Paulo.


               - É para a senhora usar em caso de necessidade – respondi baixinho.

Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e exclamou:


-Uai.....as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?


Alguns passageiros riram, outros – pro fineza – fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era azougue (embora com tantas carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.

O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta:


     - Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?


Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.

Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do “show”. Mesmo os que mais se divertiam com ele resolveram abrir jornais, revistas ou se acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.

Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janela para ver a paisagem) e gritou:


    - Puxa vida!!!!!


Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:


    - Olha lá embaixo.

Eu olhei. E ela acrescentou:


- Como nós estamos voando alto, moço. Olha só.......o pessoal lá embaixo até parece formiga.


Suspirei e lasquei:


    - Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou voo.

                                             Stanislaw Ponte Preta, Para gosta de ler. Editora Ática
 

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