Aula
de português para a formação de leitores*
Ler é atribuir sentidos aos estímulos visuais (verbais e não verbais) em
um texto com base num propósito de leitura. Essa atribuição de sentidos será
moldada pelas experiências anteriores do leitor com eventos de leitura
semelhantes ao que está vivenciando, práticas sociais mediadas por esses
textos, tema em foco, informações pressupostas ou indiretamente acionadas pelo
texto, outros textos, desejos, expectativas, receios ou preconceitos,
repertórios de recursos linguístico-discursivos que conhece. Isso quer dizer:
em cada nova situação, em que é necessário ler, diferentes compreensões serão
possíveis por conta das relações que o leitor poderá estabelecer entre os
estímulos visuais, o propósito de leitura naquela situação específica e seus
conhecimentos prévios, que podem ou não ser suficientes.
Para atribuir sentidos ao texto, (re)agir e posicionar-se criticamente
diante dele, o leitor precisa, simultaneamente:
• decodificar o que está escrito, combinando letras, sons e imagens,
relacionando-os com significados possíveis;
• participar do texto, lançando mão de conhecimentos prévios sobre o
tema e sobre a participação no ato de leitura;
• responder ao texto, levando em conta a expectativa de leitura criada
pelo gênero do discurso e pelo propósito específico do ato de leitura que está
vivenciando;
• analisar o texto como um produto cultural, reconhecendo que qualquer
texto resulta de um ponto de vista e, como leitor, o sujeito também aborda o
texto a partir de um lugar sócio-histórico1.
Promover um ensino que forme leitores proficientes significa criar
oportunidades para a prática de todas essas ações. Na posição de leitores mais
experientes, podemos levar os alunos pela mão, para buscarem no texto as
compreensões que entendemos como preferíveis. Isso pode ser feito a partir de
atividades de leitura, de estudo do texto e da análise de possíveis efeitos de
sentido dos recursos linguístico-discursivos utilizados. Essas atividades
integram ler, anotar, compartilhar e justificar compreensões com vistas a
construir e aprofundar entendimentos coletivamente. Explicito a seguir alguns
pressupostos sobre leitura e ensino da leitura que embasam o trabalho a ser
feito com os alunos.
Leitura:
uma prática social e compartilhada
■ A leitura é uma atividade que se faz em conjunto com
outras pessoas. Embora o ato de leitura muitas vezes seja individual, a leitura
de um texto raramente se encerra nesse ato: compreender um texto envolve contar
e comentar o que se leu, ouvir o que os outros compreenderam, justificar
reações ao texto, defender, confirmar, mudar entendimentos.
■ O ato de leitura exige disposição, atenção e esforço,
tendo em vista um propósito de leitura e possíveis interações com outras
pessoas, seja em alinhamento com elas, seja contra elas.
■ A participação intensa em atividades que requerem
leitura e produção textual proporciona exposição continuada às formas e aos
modos de expressão escrita, familiaridade com um repertório que pode facilitar
a leitura e a produção de textos. Mas ser leitor experiente em determinados
textos não o torna automaticamente experiente em outros. Seguimos aprendendo a
ser bons leitores por toda a vida. Mesmo em relação aos textos que já lemos,
uma nova leitura e uma discussão com outros leitores muitas vezes abre
reiteradas possibilidades de compreensão.
■ A experiência continuada com determinados textos em
determinada esfera de atuação e o propósito de leitura comum aos participantes
são elementos que contribuem para se chegar a interpretações preferidas e
defensáveis, em detrimento de outras interpretações que serão consideradas
incompletas, equivocadas ou pouco defensáveis para esses leitores.
■ É importante interpretar e aceitar toda e qualquer
leitura genuína como reveladora dos conhecimentos prévios que cada um traz para
atribuir sentido ao texto. São as interpretações colocadas em debate que podem
promover outras perspectivas de análise das informações mobilizadas no texto e
dos possíveis efeitos de sentido pretendidos. E são as defesas e explicações
das interpretações feitas que possibilitarão ajustes, novas leituras e leituras
mais próximas das que buscamos como leitores proficientes.
Ensino
de leitura: práticas e etapas
Com base nos pressupostos da página anterior, ensinar a ler significa
formar leitores que poderão reconhecer que o texto expressa o ponto de vista de
um autor, (re)agir com criticidade diante do que estão lendo, compartilhar,
justificar e discutir interpretações e fazer coisas no mundo a partir da
interação com o texto. Para que o aluno possa encarar os desafios da leitura, é
importante que fique claro, desde o início, que ele não enfrentará sozinho esse
trabalho.
Como mediador da leitura, o professor pode planejar atividades que
motivem os alunos a ler, que ativem seus conhecimentos prévios sobre o tema e
sobre os gêneros do discurso focalizados. Também é importante que as atividades
de leitura possam promover ações coletivas (em pares, grupos ou com a turma
toda) de levantamento de conhecimentos prévios e de hipóteses sobre o que será
lido, de busca e troca de informações, de discussão sobre os entendimentos do
texto, de estudo do texto e aprofundamento da leitura e de compartilhamento de
ideias. Nas páginas 40 e 41, para orientar o planejamento das sete atividades2,
apresento algumas perguntas que podem auxiliar.
Uma maneira de promover a formação de leitores proficientes é propor
atividades coerentes com as expectativas de leitura criadas pelos gêneros do
discurso, tendo em vista que assim os leitores em formação poderão se
familiarizar com as atividades sociais mediadas por esses textos e, conhecendo
essas expectativas, também possam romper com as convenções quando desejarem ou
quando for relevante para as práticas sociais de leitura em que estão
participando.
Se o texto é relevante para a temática em pauta, o professor pode criar
oportunidades para interpretações compartilhadas por meio de atividades que, em
primeiro lugar, esclareçam as razões para o esforço que está por vir e que
ajudem nesse percurso. Em seguida, o professor pode propor atividades que
promovam dinâmicas variadas e possibilidades de construir entendimentos com a
ajuda de leitores mais experientes. A tensão entre desafio e ajuda está
presente em todos os eventos de aprendizagem. Queremos propiciar que todos
possam avançar, compartilhando conhecimentos com a mediação de quem é mais
experiente. Potencializar as diferentes vivências com textos de modo positivo
em sala de aula cria oportunidades para que os próprios alunos possam se
alternar com os colegas e o professor nas mediações que forem relevantes para a
formação de leitores proficientes.
*Este
artigo tem como base o conteúdo do curso on-line “Leitura vai, escrita vem: práticas em sala de aula”, do Programa
Escrevendo o Futuro, elaborado por Margarete Schlatter em coautoria com Camila
Dilli e Letícia Soares Bortolini para a Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo Futuro.
1. LUKE, A.; FREEBODY, P. “Further notes on the four
resources model”, 1999. Disponível em .
Acesso em 3/4/2018.
2. Para ver um exemplo de
planejamento com base nos pressupostos e orientações deste artigo, confira
“Plano de aula: leitura de artigo de opinião”, no Portal Escrevendo o Futuro.
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