No mundo competitivo que a gente vive, é natural ver muitos pais e mães
preocupados em oferecer uma infinidade de cursos para a criançada já na
primeira infância. É inglês, música, robótica, reforço escolar, enfim, tudo
para capacitá-los a encarar os desafios profissionais que aparecerão lá na
frente. No entanto, especialistas são cada vez mais taxativos: brincar ainda é
o maior catalisador das competências humanas. É nas pequenas distrações
cotidianas que os pequenos aprendem habilidades importantíssimas para a
carreira que vem anos mais tarde.
O pediatra Daniel Becker, pesquisador do Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos criadores do
programa Saúde da Família, defende que essa visão curricular sobre as
atividades nas quais a criança precisa se envolver pode acabar fazendo com que
ela desenvolva comportamentos de competitividade e individualismo.
O especialista defende que, na infância, a prioridade deve ser o livre
brincar, atividade que não pode ser repetida em outra etapa da vida e que é
capaz de estimular uma série de competências humanas que nenhuma sala de aula
poderá ensinar.
"Nós vivemos uma cultura
de excesso de valorização da aprendizagem com adultos, é um paradigma da escola
do desenvolvimento. Como se o desenvolvimento de uma criança só se desse na sua
interação com adultos, em aulas, supervisões, atividades programadas e
estruturadas. Quando, na verdade, isso só provê essa criança de um tipo de
ganho, um tipo de inteligência", diz ele.
Segundo o pediatra, uma criança que brinca no parque com amigos vai
aprender a negociar, interagir, ter empatia, ouvir o outro, se fazer ouvir,
avaliar riscos, resolver problemas, desenvolver coragem, autorregulação, auto
estímulo, criatividade, imaginação… Uma série de habilidades que nenhuma aula
vai oferecer para ela.
"E elas são muito mais
importantes para um adulto bem-sucedido do que uma aula de Kumon ou violino.
Não que precisemos desvalorizar a importância de matricular nossos filhos em
algumas atividades, mas é importante nunca esquecer que brincando livremente na
natureza a criança está aprendendo."
Becker ainda aponta que esse "excesso curricular" pode
acarretar até prejuízos:
"Há algumas pesquisas que
já estão avaliando que as crianças da geração Y, os millennials, que foram
superprotegidas e foram vítimas desse excesso de escolarização, estão se
tornando adultos narcisistas, incapazes de lidar com a frustração e com o
conflito, tendem a fugir das intempéries… A criança tem que cair e ralar o
joelho. Porque a vida dói, a realidade dói. Mas passa. E, no dia seguinte, o
machucado ganhou uma casquinha, o corpo está reagindo e fazendo alguma coisa.
Daqui a pouco, aquela marquinha sumiu e o joelho voltou ao normal. Olha tudo o
que ela aprendeu ali sobre enfrentar a dor, sobre saber que essa dor passa e
que o corpo funciona e se regenera. Que aula vai oferecer a ela essa
experiência?"
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