Com a chegada da Quaresma, na próxima Quarta-feira de Cinzas, dia 6
de março, a Igreja no Brasil inicia a Campanha
da Fraternidade que este ano traz como tema: “Fraternidade e Políticas Públicas” e o lema: “Serás libertado pelo direito e pela justiça”. (Is 1,27).
Este ano, a temática traz uma reflexão de como as políticas públicas
impactam a vida cotidiana das pessoas. Além disso, é um momento de mostrar a
realidade e chamar a atenção de que ainda é preciso lutar por garantias de
direito para a população, em especial, as mais pobres.
Nesse contexto, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
preparou um documentário sobre a CF 2019 que explica o processo e o ciclo das
políticas e apresenta experiências da própria Igreja com ações concretas que
fazem diferença na vida de milhares de pessoas que tanto necessitam.
O bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB, dom Leonardo
Steiner, faz um convite aos cristãos que reflitam e se engajem na luta por uma
sociedade justa:
“Somos
convidados a refletir uma realidade nossa. Vamos participar, vamos refletir,
vamos rezar essa realidade para que assim nós ajudemos a ter um Brasil mais
justo, mais fraterno baseado no direito e na justiça”, ressalta.
O documentário traz depoimentos de especialistas e lideranças religiosas
que trabalham em prol da justiça social e mostra a realidade de comunidades que
são beneficiadas com essas ações.
“É importante
lembrarmos que as polícias públicas são a maneira com que o Estado efetiva
ações em nome do bem público, destaca a presidente do Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)”, Elisabetta Recine,
ex-presidente do extinto Consea.
Desde a criação da CF, em 1964, já se passaram 55 anos buscando
despertar nas pessoas o senso de justiça social, de fraternidade e de amor ao
próximo. Ela nasceu no contexto do Concílio Vaticano II, que iniciou um tempo
de renovação na Igreja, trazendo muitas luzes para todas as realidades da
Igreja. A cada ano, a Igreja no Brasil escolhe uma temática que ajuda as
comunidades e toda a sociedade civil a ampliar sua reflexão sobre o tema em
questão.
Assista o Documentário especial:
Fonte:
CNBB / Portal Kairós
Este ano, a CF nos fala sobre "Fraternidade
e Políticas Públicas", reforçando a preocupação da Igreja com a vida
do povo brasileiro. A atuação da CNBB muito contribui para as discussões e
ações de impacto social e político na vida do nosso país. A escolha desse tema
reconhece a importância da atuação do Estado no contexto da sociedade
brasileira.
▶ Além disso,
incentiva todas as mulheres e homens que formam as comunidades de fé espalhadas
pelo país a entrarem nos processos de organização e mobilização no âmbito da
sociedade civil e do Estado. Esta ampla participação da Igreja, da sociedade,
do Estado e dos cidadãos visa fortalecer a elaboração, implementação,
acompanhamento e avaliação de políticas públicas. Políticas públicas que
produzam oportunidades iguais para todos os cidadãos. Políticas públicas que
colaborem para o enfrentamento das desigualdades sociais que infelizmente
marcam o nosso Brasil.
Fonte:
Subsídio litúrgico – catequético mensal
RESUMO E ESTUDO DO TEXTO-BASE DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2019
Este artigo propõe uma reflexão sobre a Campanha da Fraternidade de
2019, com o tema “Fraternidade e políticas
públicas” e o lema “Serás libertado pelo
direito e pela justiça” (Is 1,27). O autor nos questiona: O que são
políticas públicas? Como são construídas? E nós, movidos pelos valores do
evangelho, que contribuição podemos dar a esse processo?
INTRODUÇÃO
O tempo quaresmal é itinerário fecundo que prepara toda a Igreja para a
celebração dos mistérios pascais. Celebrar a Páscoa é caminhar com Jesus e a
comunidade de seus seguidores para Jerusalém. Ao longo da caminhada, Jesus vai
revelando o seu projeto salvífico de libertar o ser humano das amarras do
pecado e da morte.
Nesse sentido, a Campanha da Fraternidade (CF) é um instrumento valioso,
que serve a toda comunidade como apoio e motivação para a conversão social.
Cada ano, em cada temática aprofundada, são apresentadas situações que ferem a
dignidade humana, e assim a Igreja faz um apelo para que, enquanto sociedade,
nos convertamos, buscando um agir mais pautado pelo evangelho.
A reflexão proposta pelo tema da CF deste ano convida-nos a compreender:
O que são políticas públicas? Como são construídas? E nós, movidos pelos
valores do evangelho, que contribuição podemos dar a esse processo?
1. O BEM COMUM E
O COTIDIANO DO POVO
O tema escolhido para a Campanha da Fraternidade deste ano, “Fraternidade e políticas públicas”, tem o
objetivo de estimular a participação em políticas públicas, à luz da Palavra de
Deus e da Doutrina Social da Igreja, para fortalecer a cidadania e o bem comum,
sinais de fraternidade.
Trata-se de tempo propício para refletirmos sobre essa temática, pois,
nos últimos anos, tem se verificado no Brasil uma complexa realidade na
convivência entre os três poderes, e estamos inaugurando novo período em nosso
país com o novo executivo, eleito em outubro passado juntamente com o
legislativo.
A participação da população não se encerra com o voto. Pelo contrário,
ali se inicia o compromisso de acompanhar os eleitos para que garantam à
população seus direitos elementares, façam bom uso do dinheiro público e em
tudo zelem pelo bem comum, que pressupõe sempre justiça, transparência e
equidade.
Refletir sobre políticas públicas é importante para entender a maneira
pela qual elas atingem a vida cotidiana e o que pode ser feito para que sejam
efetivas, além de acompanhá-las com uma boa fiscalização, pois só assim são
aprimoradas. Tal reflexão contribui ainda para a distinção entre “política” e
“política pública”, oportuna sobretudo por causa da semelhança entre as
palavras, que pode gerar confusões, sugerindo que possuem o mesmo significado.
A palavra “política” vem do grego politikós,
que se refere a pólis, o lugar onde
os gregos tomavam as decisões em vista do bem comum; era o espaço para garantir
a ordem e estabilizar a sociedade de maneira pacífica, sendo marcado pelo
conjunto de interações e conflitos de interesses.
A política direciona a vontade daqueles que participam dela, estando em
toda parte, e não somente na ação do Estado. Ou seja, a política está na arte,
nas relações de trabalho, nas empresas, nos clubes, nas associações etc.
O conceito de políticas públicas é recente, e seu entendimento tem
diferentes interpretações. Há uma correlação entre as políticas públicas e as
ciências sociais, as ciências políticas, as ciências econômicas e as ciências
da administração pública. Essas grandes áreas contribuem para compreendermos o
que é política pública e sua influência no cotidiano da população.
As políticas públicas, portanto, representam soluções específicas para
necessidades e problemas da sociedade. São ações do Estado, que busca garantir
a segurança e a ordem por meio da garantia dos direitos, e expressam, em geral,
os principais resultados oriundos da presença do Estado na economia e na
sociedade brasileira (CNBB, 2018, n. 15).
Podemos resumir, afirmando que política pública é a ação do governo e a
sua relação com as instituições da sociedade, bem como com atores individuais e
coletivos que buscam uma solução para determinado desafio. Essa solução
necessariamente deve respeitar aquilo que já está garantido na Constituição
Federal e em outras leis federais, estaduais e municipais. Ou seja, o governo,
as instituições e os indivíduos da sociedade precisam estar articulados para
que os direitos garantidos por lei sejam de fato os direitos de todos, não só
de alguns.
Deveria fazer parte do cotidiano do povo acompanhar essas articulações.
Não podemos simplesmente delegar isso a alguns e lavar as mãos. Precisamos
participar, pois nossa participação é sementeira produtiva para que sempre
nasça e cresça para todos o bem comum.
Diante da realidade apresentada, cabe-nos responder a algumas perguntas:
Quais são as luzes e as sombras da democracia hoje? Como fazer políticas
públicas? Como fazer crescer a participação do povo?
1.1. Sociedade
democrática: luzes e sombras
O Brasil é um país democrático: nele o exercício do poder emana do povo,
que, com liberdade, escolhe homens e mulheres para o representarem na gestão da
Federação, dos estados e dos municípios, executando as leis, criando novas e
fiscalizando a execução de todas.
A Constituição Federal de 1988 possibilitou introduzir no panorama
político brasileiro o que está afirmado no parágrafo único do artigo 1º: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente”, de modo que foram criados
mecanismos para o exercício de uma democracia direta, tais como os plebiscitos,
os referendos e os projetos de lei de iniciativa popular. Possibilitou, ainda,
que a gestão das políticas ligadas à seguridade social fosse descentralizada e
tivesse a participação direta da sociedade civil (artigos 194, 198, 204, 206 e
227).
Compreender melhor o papel e o sentido das políticas públicas, despertar
a consciência e incentivar a participação de todo cidadão na construção dessas
ações em âmbito nacional, estadual e municipal constitui um dos objetivos
específicos desta CF, bem como propor políticas que assegurem os direitos
sociais dos mais frágeis e vulneráveis, trabalhando para que as políticas
públicas eficazes de governo se consolidem como políticas de Estado. Mais uma
vez, asseguramos a importância da presença da Igreja católica, por meio do
clero e dos leigos, em busca de participação na resolução dos problemas sociais
e em todo o processo de formulação das políticas públicas (CNBB, 2018, n. 21).
Nos últimos anos, temos vivido uma crise do modelo da democracia
representativa, em que as tomadas de decisões ficam a cargo de técnicos e
agentes políticos, sobretudo, em razão da complexidade da sociedade e de seus
interesses. As pessoas já não se sentem representadas pelos que ocupam cargos
eletivos (presidente, governadores, prefeitos, deputados, senadores e
vereadores).
Contudo, não é só a instituição política que sofre com essa crise, mas
também diversas instituições tradicionais, como escolas, movimentos sociais,
sindicatos. Tais instituições vivem em crise de representatividade. Dessa
maneira, cada vez mais pessoas tendem a participar e reivindicar o direito à
participação no processo decisório.
As diferentes pessoas e organizações envolvidas no debate sobre
políticas públicas e na participação nessas políticas são conhecidas como
atores sociais, podendo ser indivíduos, grupos, movimentos sociais, partidos
políticos, instituições religiosas, organizações públicas e privadas. A
interação acontece na esfera pública, mas é também aí onde ocorrem os conflitos,
as disputas, a cooperação e a negociação, para confrontar ou apoiar a
implementação de determinada política pública.
A democracia parece passar por uma noite escura paradoxal: por um lado,
há descrença nos líderes; por outro, existe o desejo de envolvimento nos
processos participativos – apesar de que, na maioria das vezes, os que querem
se envolver não o fazem.
É preciso lançar luzes sobre esse processo por meio do envolvimento, da
participação, do sentir-se corresponsável da luta pelos direitos. Cabe recordar
que, se alguns passam situações difíceis por causa das chamadas crises, existem
tantos mais vulneráveis que possuem menos ou não possuem nada. Em tempos
difíceis, não podemos nos esquecer dos pobres. Por eles vale a pena cada
processo que visa à participação em função do bem comum.
1.2. Como fazer
políticas públicas?
Não podemos cair na tentação de achar que a elaboração das políticas
públicas é algo restrito a um grupo seleto da sociedade – apesar de,
infelizmente, muitas vezes isso acontecer.
A elaboração das políticas públicas nasce de um desejo sincero de dialogar.
Todos os homens e mulheres são candidatos e autorizados ao diálogo; neste,
todos são bem-vindos: indivíduos, organizações, instituições públicas e
privadas. O diálogo desses grupos sempre deve visar ao bem comum de todos, e o
direito a tudo aquilo que envolve o bem comum já está garantido na
Constituição.
Esse caminho deve ser concreto, partindo sempre da realidade, dos dados,
dos fatos para, com base neles, em conjunto, tentar responder às perguntas: O
que podemos fazer juntos? Como vamos fazer? O que a lei já nos garante? Com
isso temos um panorama das situações, e a partir daí vai se desenhando um
caminho.
Por fim, com base em todas as informações do processo de formulação das
políticas públicas, tem-se então a estrutura desenhada e a política pública
formulada. Como exemplos, podemos citar o Sistema Único de Saúde (SUS), o
Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Sistema Nacional da Juventude
(SNJ), o Sistema Nacional dos Direitos Humanos etc.
Uma vez que a política pública é desenhada e implementada, precisa estar
em constante avaliação. Sem avaliação, tem-se a tendência de fazer as mesmas
coisas sempre do mesmo jeito, e isso não ajuda a avançar. A avaliação ajuda a
perceber o que é positivo e o que não é e abre novas vias para novos processos.
E o mais importante: isso sempre deve ser feito em constante diálogo entre
todas as partes. Vale reforçar que a elaboração das políticas públicas é um
esforço conjunto.
1.3. Fazer
crescer a participação
Participar efetivamente da elaboração das políticas públicas requer mais
do que apenas votar nas eleições ou sugerir demandas pontuais: é estar presente
nos mais diversos mecanismos de participação, garantidos pela Constituição da
República Federativa do Brasil, que colaboram na tomada de decisões, na
implementação, na avaliação e no monitoramento dessas políticas.
Historicamente, a humanidade superou diversas dificuldades com ações e
decisões coletivas. Portanto, podemos afirmar que a participação é essencial no
desenvolvimento das sociedades. Estar presentes nos espaços e canais de
participação cidadã é ser protagonistas da execução das políticas públicas e fazer
ouvir as demandas e necessidades da população.
Entre as formas mais comuns de participação estão: audiências públicas,
conselhos gestores ou de direitos, conferências, fóruns e reuniões,
organizações da sociedade civil e movimentos sociais.
Cabe aqui um aceno especial à juventude. É preciso estimular os jovens a
se sentirem atores sociais no processo de construção das políticas públicas.
Faz-se necessário um resgate da importância dos movimentos sociais.
Estes já ajudaram o país a dar passos muito importantes e podem colaborar ainda
mais no controle social, na fiscalização dentro dos conselhos gestores de
políticas públicas, de modo deliberativo, tendo em vista sempre o bem comum.
Dessa forma, a democracia vai ganhando, cada vez mais, rosto
participativo. A não participação faz que os conselhos gestores das políticas
públicas percam força, limitando a fiscalização a agentes públicos.
Não obstante, nos últimos anos, tem crescido o processo de
criminalização dos movimentos sociais, no sentido de frear a atuação dos
defensores da luta social no Brasil, impondo-lhes dificuldades de atuação e
articulação, o que, na maioria dos casos, significa a criminalização legal ou
administrativa, por meio de indicação e processos legais ou da difamação
pública dos movimentos, de seus objetivos e de suas manifestações públicas.
Essas forças contrárias não podem ser um desestímulo; pelo contrário, devem dar
maior impulso. Com efeito, se os movimentos sociais estão incomodando, isso é
sinal de que estão no caminho certo, pois tiram a sociedade da letargia e
questionam a possibilidade de novas ações articuladas.
2. SERÁS
LIBERTADO PELO DIREITO E PELA JUSTIÇA (IS 1,27)
O lema bíblico escolhido para iluminar a CF-2019 foi extraído do livro
do profeta Isaías: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27).
A Sagrada Escritura utiliza, no Antigo Testamento, a palavra, mishpat (direito), para designar a ordem
justa da sociedade, em sentido objetivo. Uma vez que nem sempre essa ordem é
respeitada na vida real, a referida palavra vem invariavelmente acompanhada de
outra, sedáqâ (justiça), designativa
da obrigação moral do direito em sentido subjetivo, interno, que torna possível
vivê-lo a fundo (SICRE, 1990, p. 600). Assim, a “justiça” obriga moralmente a
pessoa a se preocupar com os mais pobres do povo, representados pela tríade:
viúva, órfão e estrangeiro, para que haja o direito na sociedade (CNBB, 2018,
n. 127).
2.1. A Palavra
de Deus ilumina a luta pelos direitos
A Palavra de Deus é luz para todos os que se empenham na participação e
na construção das políticas públicas. Deus se compadece do seu povo sofrido e
não deixa de se envolver, de fazer aliança. Mesmo quando o povo se afasta, Deus
encontra novos modos de se achegar e renovar a sua aliança.
No Antigo Testamento, tanto no Pentateuco quanto na literatura dos
profetas, encontramos uma tríade dos chamados pobres de Deus: “órfão, viúva e estrangeiro”, categorias
desprezadas no antigo Israel, porém não desprezadas por Deus, que sempre se
coloca do lado dos pobres.
Deus se revela como aquele que viu a miséria do seu povo e ouviu o seu
clamor, descendo para libertá-lo (cf. Ex 3,7-8). Por isso, essa experiência
libertadora constituiu o centro da fé do povo de Israel (cf. Dt 26,5-9) e o
paradigma da pregação dos profetas, que tentam reorientar a vida do povo em
direção à justiça, pois, para conhecer a Deus, é necessário praticá-la. Eles
proclamam, por isso, sem cessar, o direito do pobre. Acentuam não o direito do
possuidor, mas sim o dos que nada possuem.
No Novo Testamento, deparamos com Jesus de Nazaré, Filho de Deus, que
assumiu a condição humana, nascendo pobre entre os pobres.
Ele passou de aldeia em aldeia anunciando o Reino de Deus e fazendo o
bem a todos. O evangelho o mostra sempre próximo dos pobres. O contexto do
nascimento de Jesus foi marcado pelos desmandos do império romano, um sistema
causador de injustiça que colocava os mais vulneráveis sempre à margem,
privados dos direitos mais básicos, como o alimento, a saúde e a dignidade.
Jesus não é mero observador, mas se envolve na vida do seu povo,
participa e incentiva os seus seguidores a participar. Com sua ação, ele vai
devolvendo aos pobres o que lhes foi tirado. O povo não tinha pão, Jesus
partilha o pão; o povo não tinha saúde, Jesus cura os doentes; muitos do povo
eram colocados à margem da sociedade, Jesus os traz para o centro.
Jesus não só agiu para o povo e pelo povo, mas também ensinou seus
discípulos a fazer o mesmo: “Dei-vos o
exemplo para que vades e façais o mesmo” (Jo 13,15).
2.2. A Igreja
pobre para os pobres: continuadora da missão de Jesus
A Igreja é continuadora da missão de Jesus. Ao longo de sua história,
não faltaram pessoas que, movidas pelos valores do Reino de Deus anunciado por
Jesus, se comprometeram com a causa dos mais pobres e lutaram para lhes
garantir o direito e a justiça.
O Concílio Vaticano II convidou a Igreja do novo milênio que estava por
vir a “ler os sinais dos tempos”:
As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de
hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as
alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo;
e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu
coração. Porque a sua comunidade é formada por homens que, reunidos em Cristo,
são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai,
e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a
Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história.
Por isso, o Concílio Vaticano II […] não hesita agora em dirigir a sua palavra,
não já apenas aos filhos da Igreja e a quantos invocam o nome de Cristo, mas a
todos os homens (GS 1).
O papa Bento XVI, em seu ensinamento social, ao falar da participação
conjunta dos seres humanos, afirma a necessidade do princípio da gratuidade
como expressão da fraternidade e atesta que esta sempre nasce da relação com
Deus:
Enquanto dom recebido por todos, a caridade na verdade é uma força que
constitui a comunidade, unifica os homens segundo modalidades que não conhecem
barreiras nem confins. A comunidade dos homens pode ser constituída por nós
mesmos; mas, com as nossas simples forças, nunca poderá ser uma comunidade
plenamente fraterna nem alargada para além de qualquer fronteira, ou seja, não
poderá tornar-se uma comunidade verdadeiramente universal: a unidade do gênero
humano, uma comunhão fraterna para além de qualquer divisão, nasce da
convocação da palavra de Deus-Amor. Ao enfrentar esta questão decisiva, devemos
especificar, por um lado, que a lógica do dom não exclui a justiça nem se
justapõe a ela em um segundo tempo e de fora; e, por outro, que o
desenvolvimento econômico, social e político precisa, se quiser ser
autenticamente humano, dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de
fraternidade (BENTO XVI, 2009, p. 34).
O papa Francisco, ao falar da dimensão social da evangelização, insiste
no diálogo como caminho concreto para alcançar o bem comum:
A evangelização implica também um caminho de diálogo. Neste momento,
existem sobretudo três campos de diálogo onde a Igreja deve estar presente,
cumprindo um serviço a favor do pleno desenvolvimento do ser humano e
procurando o bem comum: o diálogo com os Estados, com a sociedade – que inclui
o diálogo com as culturas e as ciências – e com os outros crentes que não fazem
parte da Igreja católica. Em todos os casos, “a Igreja fala a partir da luz que a fé lhe dá”, oferece a sua
experiência de dois mil anos e conserva sempre na memória as vidas e
sofrimentos dos seres humanos. Isto ultrapassa a razão humana, mas também tem
um significado que pode enriquecer a quantos não creem e convida a razão a
alargar as suas perspectivas (FRANCISCO, 2013, n. 238).
Por isso, na ação pastoral da Igreja, deve ser estimulada a participação
das comunidades eclesiais, em parceria com outras instituições privadas ou
públicas, bem como com movimentos populares e entidades da sociedade civil, “em favor da
implantação e da execução de políticas públicas voltadas para a defesa e a
promoção da vida e do bem comum, segundo a Doutrina Social da Igreja” (CNBB, 2015, n. 124).
3. PARTICIPAR
COM ESPÍRITO CIDADÃO EM VISTA DO BEM COMUM
O Texto-base da CF-2019 apresenta pistas de ações muito concretas para
estimular a participação de toda a Igreja e da sociedade na elaboração das
políticas públicas. Mesmo que na participação popular permaneçam “encontros e desencontros”, é nela que se
consolida a realização e a missão humana na terra, e é ela também que nos
possibilita ser sujeitos e assim fazer da sociedade um “lugar” de aconchego,
para que a vida seja plena independentemente do “local social” em que se
desenvolve.
Assim, vamos resgatar as pistas de ação da CF-2019, para que nos
estimulem a ser um povo que participa com espírito cidadão em vista do bem
comum.
a) Participação:
• buscar uma
participação mais efetiva, com a atuação voluntária nas pastorais sociais,
esforçando-se por priorizar a solicitude e o cuidado com as pessoas em
situações de marginalização, exclusão e injustiça, como o empenho sociopolítico
da ação evangelizadora da Igreja nas complexas questões sociais ameaçadoras da
vida;
• estimular o uso
dos serviços públicos de forma consciente, organizada e cuidadosa, valorizando
e respeitando sempre os profissionais que lá trabalham, com vistas ainda a
melhor otimização dos recursos existentes;
• pensar em formas
de contribuir para a resolução de situações agravantes dos direitos sociais,
considerando as capacitações requeridas para as ações de enfrentamento da realidade
identificada;
• promover
seminários, debates, rodas de conversa ou outras formas de encontros, com
estabelecimento de metas e estratégias de sensibilização e mobilização, tendo
em vista contribuir com a necessária reforma política e renovação do quadro de
agentes políticos nos três níveis de governo (União, estados e municípios);
• estimular a
participação de pessoas idôneas e de caminhada ilibada, como verdadeiros
discípulos missionários, no bem comum, por um processo político de pleno
exercício da cidadania e isento de interesses não condizentes com a grande
maioria da população;
• estimular a
criação de observatórios sociais pelo país, em âmbito municipal, estadual e/ou
nacional, com membros competentes e idôneos e com estrutura mínima de ouvidoria,
diagnóstico, pesquisa, comunicação e monitoramento das iniquidades e/ou
inconsistências, para que se tornem uma referência de seriedade e um porto
seguro e isento para qualquer cidadão brasileiro;
• estimular a
participação dos cristãos leigos e leigas na política. Há necessidade de romper
o preconceito comum de que a política é coisa suja e conscientizar os leigos e
as leigas de que ela é essencial para a transformação da sociedade;
• impulsionar os
cristãos a construir mecanismos de participação popular que contribuam para a
democratização do Estado e para o fortalecimento do controle social e da gestão
participativa;
• incentivar e
preparar os cristãos leigos e leigas para participarem de partidos políticos e
serem candidatos para o executivo e o legislativo, contribuindo, deste modo,
para a transformação social;
• mostrar aos
membros das nossas comunidades e à população em geral que há várias maneiras de
tomar parte na política: nos Conselhos Paritários de Políticas Públicas, nos
movimentos sociais, nos conselhos de escola, na coleta de assinaturas para
projetos de lei de iniciativa popular, nos comitês da Lei nº 9.840/99 de
combate à corrupção eleitoral e da Lei nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha
Limpa.
b) Cidadania:
• incentivar as
comunidades a promover seminários, cursos e encontros de conscientização e
formação política que visem desenvolver a participação cidadã cada vez mais
responsável dos cristãos;
• fortalecer canais
de participação efetiva da sociedade e de suas entidades representativas na
formulação, na implantação e no controle das políticas públicas. Por exemplo, a
participação em conselhos de Controle Social, em suas diversas instâncias,
constituindo espaços privilegiados para o alcance desse objetivo;
• articular a
participação efetiva de membros das comunidades nas instâncias colegiadas do
Controle Social nas políticas públicas (Conselhos de Saúde e/ou Educação e/ou
Segurança Pública, Conferências de Saúde e/ou Educação e/ou Segurança Pública),
nas três esferas de governo, oferecendo o respaldo necessário e o
acompanhamento adequado nesse trabalho;
• reivindicar
atendimento humanizado, acolhedor, de qualidade e digno a todo cidadão em
qualquer estabelecimento público;
• dar continuidade
às discussões iniciadas com as CFs de 2012, 2015 e 2017, reforçando a
necessidade de um equilíbrio justo e oportuno de todos os brasileiros nos
campos sociais, como a saúde pública, a sociedade em geral e a segurança
pública;
• estabelecer
parcerias com Defensoria Pública, Controladoria Geral, Advocacia Geral,
Procuradoria, Procon, Ministério Público, Fóruns de Justiça, entre outros, para
acompanhar e denunciar situações de irregularidades na condução da coisa
pública.
c) Bem comum:
• conhecer serviços
mediante os quais a Igreja se faz solidária aos pequeninos das nossas
comunidades e empenha-se pela superação das injustiças e pela construção de
relações segundo o evangelho na sociedade;
• garantir que a
prevenção avance para além da informação. É necessário visar não só ao
bem-estar individual, mas também ao familiar e de todos, por meio de ações
educativas abrangentes e inclusivas;
• promover momentos
para exercer o discernimento evangélico acerca do que ocorre no cenário
político com repercussão na comunidade, no bairro e/ou na cidade e identificar
eventuais ameaças à harmonia e boa convivência familiar;
• incentivar a
intersetorialidade das ações (saúde, educação, desenvolvimento social, justiça,
esporte, emprego e renda), para a promoção, prevenção, proteção, tratamento,
reabilitação e recuperação do bem-estar, construindo uma sociedade justa e
saudável;
• refletir nas
famílias sobre o que edifica uma sociedade justa e solidária, buscando
estratégias de solução efetivas, viáveis e adequadas ao bem comum.
CONCLUSÃO
A Campanha da Fraternidade de 2019 quer ser um convite para maior
participação das pessoas na elaboração de políticas públicas, projetando,
assim, o presente e o futuro do Brasil, amparado no direito e na justiça, livre
das desigualdades que assolam os mais pobres.
Novo modelo de sociedade, diferente do modelo neoliberal dominante,
inclui mudanças radicais na concepção do trabalho e do lazer, da educação e da
cultura, dos impostos e das responsabilidades sociais dos cidadãos. Não se
engendrará novo modelo de sociedade por leis ou decretos.
A construção de novo modelo de vida política não é assunto para
especialistas, pois a sociedade global não é objeto de estudo de nenhuma
especialidade, de nenhuma ciência. É problema de cidadãos, não de
especialistas. Estes podem trazer dados, isto é, dar a conhecer o passado.
Quanto ao futuro, porém, não sabem mais do que os cidadãos, atuando como
cidadãos, não como especialistas.
Atualmente, a política mais importante é a que prepara as tarefas dos
governos futuros, ajeitando o terreno, abrindo o espaço em que as entidades
políticas, as instituições antigas ou novas poderão organizar o novo modelo de
sociedade que satisfaça as expectativas dos cidadãos.
Pe. Luis
Fernando da Silva
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BENTO XVI. Carta encíclica
Caritas in Veritate. Brasília, DF: CNBB, 2009. (Documentos Pontifícios, 3).
CNBB. Diretrizes Gerais da Ação
Evangelizadora da Igreja no Brasil 2015-2019. Brasília, DF: CNBB, 2015.
(Documentos da CNBB, 102).
______. Campanha da Fraternidade
2019: texto-base. Brasília, DF: CNBB, 2018.
______. Cristãos leigos e leigas
na Igreja e na sociedade: sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14).
Brasília, DF: CNBB, 2016. (Documentos da CNBB, 105).
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição
pastoral Gaudium et Spes. In: SANTA SÉ. Concílio Ecumênico Vaticano II: documentos.
Brasília, DF: CNBB, 2018.
FRANCISCO. Exortação apostólica
Evangelii Gaudium. Brasília, DF: CNBB, 2013. (Documentos Pontifícios, 17).
FRIZZO, Antonio Carlos. A
trilogia social: estrangeiro, órfão e viúva no Deuteronômio e sua recepção na
Mishná. 2009. Tese (doutorado em Teologia) – Pontifícia Universidade
Católica, Rio de Janeiro, 2009.
SICRE, José Luís. A justiça
social nos profetas. São Paulo: Paulus, 1990.
Alguns tipos de
Políticas Públicas:
Educação
Saúde
Trabalho
Lazer
Assistência Social
Previdência Social
Meio Ambiente
Cultura
Moradia
Transporte
Segurança
Some types of Public
Policy:
Education
Health
Job
Recreation
Social Assistance
Retirement
Environment
Culture
Housing
Transport
Public Security
Hino
Letra: João Edebrando Roath
Machado
Música: Pe. Cireneu Kuhn, svd
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