Texto de Fabíola Simões
Há alguns meses assisti a uma palestra incrível da
nigeriana Chimamanda Adichie, chamada “O
perigo da história única”. Nela, a escritora discorria sobre como somos
impressionáveis e vulneráveis em face de uma história. Como temos a tendência
de acreditar naquilo que nos contam sobre algo ou alguém e a confiar cegamente
de que essa é a única versão sobre o fato. Como somos susceptíveis a
superficializar nosso contato com a realidade ao criar estereótipos daquilo que
julgamos ser a única possibilidade, mas que é apenas uma versão incompleta da
totalidade.
Mais tarde, lendo “O
Sol é para todos”, novamente percebi o perigo de vivermos cheios de
certezas. A certeza sobre algo ou alguém afasta a possibilidade de sabedoria e
dá margem à arrogância e à cegueira. Numa das passagens do livro de Harper Lee,
um homem, cujo comportamento de “andar
com negros” afronta a cidadezinha preconceituosa do sul dos EUA, revela às
crianças que, ao contrário do que todos dizem, não vive alcoolizado e que a
bebida que carrega dentro do saco de papel não é uísque, e sim refrigerante.
Estupefatas, as crianças lhe perguntam por que ele permite que a sociedade pense
que ele vive bêbado, ao que ele responde: “Procuro
dar um motivo para essas pessoas, sabem? Elas ficam satisfeitas quando
encontram uma explicação. Não é honesto ser assim, mas é muito útil para as
pessoas. Cá entre nós, não sou muito de beber. Mas elas jamais entenderiam que
vivo desse jeito porque quero viver assim”.
Assim, ao me deparar com a frase de Douphus Raymond, o
homem que andava com negros porque queria e não porque bebia, parei para
refletir no quanto temos dificuldade de lidar com aquilo que não entendemos
bem. As pessoas da cidade preferiam acusa-lo de bêbado a acreditar que ele
poderia andar com negros porque tinha vontade. Quando descobrimos que existem
outros pontos de vista, nos deparamos com uma vasta gama de possibilidades, e
isso nos dá pânico. Precisamos então criar uma história única, que explique a
situação, para que o pânico vá embora. Nascem aí os preconceitos, a arrogância,
o julgamento e a certeza.
Muita gente que não se considera preconceituosa acaba
acreditando numa história única. Quando fazemos deduções a respeito de alguém,
quando acusamos alguém de algo, quando julgamos o comportamento alheio, quando
criamos certezas a respeito daquilo que não conhecemos por completo, estamos
nos afastando da sabedoria e nos aproximando da arrogância e intolerância.
O perigo de vivermos cheios de expectativas está em
delegar a alguém o que nós mesmos faríamos no lugar dele, esquecendo que cada
um enxerga a vida à sua maneira, e não é honesto cobrar do outro uma atitude
que não condiz com seu modo de ser e viver. Quem quer que o outro corresponda
às suas expectativas não sabe, nem de longe, o que é ser e estar na pele do
outro.
Empatia também é isso: Compreender que meu ponto de
vista não é o único possível, e deixar de culpar aqueles que não correspondem
às minhas expectativas e anseios. Perdoar as imperfeições do outro, entender
que somos todos limitados e que, em algum momento, podemos falhar. Parar de
apontar o dedo para quem quer que seja, entendendo que as pessoas são
diferentes, e é essa variedade que faz a vida tão rica.
Compreender que há outros pontos de vista nos aproxima
da sabedoria, pois perdemos o ar de superioridade de quem está certo sobre tudo
e nos abrimos para a possibilidade de que a maioria das coisas nos é
desconhecida. Assim, vamos entendendo que não é possível ter certeza absoluta
sobre nada. Nada além de nós mesmos.
E descobrimos que o que acontece por trás das portas
fechadas e no coração de cada um, pertence somente a ele. A ele e mais ninguém…
*A frase-título desse texto pertence ao escritor Joseph John Campbell
(1904-1987)
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