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sexta-feira, 20 de abril de 2018

Especial tornado: há três anos o fenômeno atingia Xanxerê


Por: Aline Tonello

Por volta das 15h15min do dia 20 de abril de 2015, Xanxerê foi afetada por um tornado classificado como escala F2, com ventos de mais de 250 Km/h. A cidade ficou sem energia elétrica e os telefones convencionais e celulares deixaram de funcionar. O fenômeno atingiu sete bairros: Pinheiro, Tacca, Bortolon, dos Esportes, São Jorge, Frederico Ferronato e João Winckler, além de parte do interior, destruindo residências, indústrias e prédios públicos.

Os municípios de Ponte Serrada, Passos Maia, Xaxim, Cordilheira Alta e Faxinal dos Guedes também ficaram no caminho dos ventos, mas tiveram danos menores do que os causados em Xanxerê. De acordo com o relatório do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil, em Xanxerê o número de desabrigados chegou a 539 e o de desalojados a 4.275. Quatro pessoas morreram e 97 ficaram feridas. Nove prédios públicos, 38 empresas e 2.188 residências particulares foram danificadas, sendo que 245 casas ficaram totalmente destruídas, 360 parcialmente danificadas e outras 1.583 sofreram apenas danos nos telhados. Os prejuízos econômicos em edificações residenciais alcançaram R$ 49,5 milhões e, nas empresas, os danos superaram os R$ 45,3 milhões. Já as edificações públicas tiveram danos financeiros de R$ 9,7 milhões, totalizando R$ 104,5 milhões em perdas no município.


Passados três anos da tragédia, a Defesa Civil informa que 95% das residências foram reconstruídas, além de que 97% das empresas e 90% dos prédios públicos foram reerguidos. A porcentagem faltante para atingir os 100% se deve a pessoas que optaram por morar em outros lugares, empresas que mudaram de local e a obras públicas que estão em andamento, como é o caso do novo ginásio de esportes Ivo Sguissardi, no Bairro dos Esportes, que foi destruído pelo tornado e a nova estrutura ainda não foi finalizada.

As equipes do Tudo Sobre Xanxerê e do Folha Regional prepararam uma série de reportagens para esta sexta-feira (20), abordando, principalmente, o que foi feito de lá para cá para prevenção e resposta a novos desastres.

Antes e depois: veja como está a reestruturação
de Xanxerê após 3 anos

A equipe do Folha Regional fez registros atuais de alguns locais que foram atingidos pelo tornado em 2015. Confira, nos cliques de Carol Debiasi, como está a reestruturação desses pontos após três anos do desastre.









Atingidos pelo tornado reforçam residências como
forma de prevenção

A satisfação de ver o lar reconstruído divide espaço com a sensação de insegurança. Letícia da Silva, de 22 anos, mora com a família no Bairro Tacca. A casa dela, nº 37, foi uma das tantas da Rua Aníbal Padilha que foram atingidas pelo tornado de 2015. Ela e a avó viram o telhado da residência ser levado pelo forte vento e o esforço de uma vida foi destruído em segundos. Com o pai pedreiro, economias, ajuda do poder público e de entidades, o lar foi reerguido em poucos meses. O que era de madeira se tornou alvenaria, ganhou laje e reforço para que a família esteja mais segura contra as forças da natureza, preocupação que deveria ser de todos em Xanxerê, não somente de quem foi atingido diretamente pela tragédia.

 A casa da família de Letícia foi reconstruída em alvenaria com laje 
(Foto: Arquivo Pessoal)

A assistente social conta que o único local que permaneceu coberto foi o salão de festa, que era de alvenaria e telhado em platibanda. Nada do que havia dentro da casa pode ser salvo devido à chuva que caiu após a passagem do fenômeno. Para recomeçar, a família optou por viver no único cômodo que restou e utilizar o banheiro destruído de forma improvisada até que a nova casa ficasse pronta.


- Foi desmanchado tudo o que sobrou de madeira, a gente ficou morando nessa peça. Como meu pai era pedreiro economizamos na mão de obra, que é o mais caro para todo mundo. Foi feito laje na parte de baixo, que tem o porão, e feito laje na parte de cima. Foi uns cinco meses até que conseguimos ajeitar para morar na parte nova. A gente já tinha a intenção de reformar e estava guardando dinheiro para isso, mas a gente só fez tudo o que fez porque teve ajuda de entidades e também da Prefeitura e Defesa Civil – afirma Letícia.

Três anos depois e casa nova, ela destaca que permanece o medo de que aconteça novamente e que melhorias na nova construção foram feitas para dar mais segurança para a família.

- Quem chegou e viu tudo destruído se assustou mais do que quem estava no local, não tem explicação o que aconteceu. O medo quando chove, quando o tempo fica feio, continua, claro. E a gente espera não passar por isso de novo e buscamos fazer uma casa melhor, mais segura – comenta.

 Letícia e a família moram numa das ruas mais atingidas pelo tornado 
(Foto: Aline Tonello/Tudo Sobre Xanxerê)

Problema de todos

A apreensão da família de Letícia é a mesma dos demais atingidos pelo tornado e também daqueles que não sofreram diretamente com o ocorrido. Essa preocupação, segundo o comandante do 14º Batalhão de Bombeiros Militar (BBM), major Walter Parizotto, deveria motivar para que as pessoas e o poder público buscassem se prevenir para que os danos materiais fossem menores e vidas não fossem perdidas em caso de novo desastre natural.

- É muito frustrante você saber que as pessoas viram, passaram por isso e não se convenceram. Apesar que, se você andar pelos bairros que foram afetados, você vai ver que as casas são um pouco mais resistentes agora, muita gente teve essa preocupação, algumas pessoas se sensibilizaram com relação a isso e pensaram em reconstruir com uma estrutura mais resistente que a anterior, e isso é bom. Mas com relação a escolas e pontos de aglomeração de pessoas, continuamos da mesma forma que estávamos antes do tornado. Estamos rodando no mesmo local e essa geração que está vindo não se lembrará, somos nós que temos que nos lembrar e fazer alguma coisa por nós e por ela – afirma Parizotto.

O major explica que o Oeste de Santa Catarina está no segundo maior corredor de tornados do mundo e que o fenômeno voltará a ocorrer aqui. Ele defende que, quanto mais preparadas a população estiver, menor será a demanda de socorro. As pessoas se tornam mais resilientes e ganham a capacidade de agir rápido e se reerguer diante da dificuldade. Porém, a conscientização de que estamos mais próximos de um novo desastre não deve ocorrer somente por parte da população, mas também pelo poder público, que precisa garantir locais seguros para a comunidade se abrigar.

- Quando as pessoas não se conscientizam por si, o poder público tem o dever de fazer essa conscientização através de leis, então eu penso que escolas e locais onde tem aglomeração de pessoas deveriam ser obrigados a ter uma estrutura resistente ao vento. Locais que sirvam de abrigo em caso de desastre, para onde as pessoas se direcionem quando avisadas da chegada de um novo tornado, por exemplo. Mas essa conscientização vai ocorrer também quando a gente falar mais sobre o assunto e levar isso para as escolas para que as crianças cresçam sabendo que desastres acontecem aqui. Os tornados não irão adaptar-se a Xanxerê, é Xanxerê que precisa adaptar-se aos tornados. Nós escolhemos viver aqui, então temos que olhar para natureza e saber que ela tem esse comportamento extremo – frisa.

 Rua Aníbal Padilha, no Bairro Tacca, logo após a passagem do fenômeno 
(Foto: Arquivo Pessoal)

Prevendo o futuro

Cerca de oito meses após a passagem do tornado, a companhia do Corpo de Bombeiros de Xanxerê foi transformada em batalhão, passando a coordenar 29 municípios da região. Conforme o comandante, o 14º BBM é o primeiro de Santa Catarina a ter um plano de resposta a eventos extremos, se estruturando sobre todas as falhas que ocorreram no pós-tornado.

- Nós trabalhamos em cima de tudo aquilo que tivemos problemas na época. Nós não conseguimos acionar reforço e hoje esperamos que o reforço venha sem ser chamado. Estamos melhorando sensivelmente a nossa comunicação. Nós ficamos às cegas, tínhamos uma comunicação muito deficitária analógica e estamos migrando para o sistema digital, que é muito mais eficiente, e que nos permite outros tipos de acesso às pessoas. Temos mais equipamentos, o quartel é mais resiliente, temos uma estrutura com geradores para funcionar de forma integral, treinamos e nos preparamos para isso porque nós acreditamos que vai acontecer novamente – explica Parizotto.

O major destaca que o Estado tem feito muito com relação à prevenção e resposta a desastres, inclusive tendo a melhor Defesa Civil do país, mas é necessário que esse trabalho seja também feito nos municípios.

- Nós somos um órgão de resposta, temos buscado conscientizar os prefeitos da região que é fundamental se preparar porque vai acontecer, e que o despreparado vai pagar mais caro, tanto politicamente quanto no atendimento às pessoas. É só uma questão de tempo para termos o próximo. Quando será eu não sei, mas vai acontecer e ignorar isso é sofrer de novo – finaliza Parizotto.

 (Foto: Tudo Sobre Xanxerê)

Marco da reconstrução: obra do ginásio Ivo Sguissardi
segue em andamento

 Professor Marical acompanha quase diariamente o andamento da obra 
(Fotos: Aline Tonello/Tudo Sobre Xanxerê)

Há três anos Valdir Marical acompanha, com olhar esperançoso, a reconstrução do ginásio Ivo Sguissardi, no Bairro dos Esportes. Verificar o andamento da obra se tornou parte da rotina do treinador de vôlei, que estava com cerca de 20 atletas no local quando a estrutura veio abaixo com a passagem do tornado em 2015. Quem viu as toneladas de ferros retorcidos e paredes de concreto no chão, uma das cenas mais chocantes na época, ainda não acredita que todos tenham saído do local com vida. Passado o choque inicial – que ainda vive na memória de quem sentiu na pele – começou a expectativa de ver o ginásio em pé de novo e retomar os treinos no local. A ordem de serviço, que foi assinada em dezembro de 2016, tinha prazo de um ano para a conclusão, mas até o momento a obra não foi finalizada.

Quando a reconstrução foi anunciada, Marical conta que não acreditava que a obra ficasse pronta em pouco tempo, mesmo que ainda fosse grande a esperança de pisar no novo ginásio com as atletas que estavam no antigo local naquele dia. Segundo ele, os atrasos nos trabalhos se devem, principalmente, à falta de fiscalização por parte do poder público municipal.

- A grande pergunta é: por que não há uma fiscalização nas obras públicas, não só em Xanxerê, mas no Brasil todo? Pode ver que todas as obras feitas pelo governo demoram muito porque falta, principalmente, fiscalização do trabalho que está sendo executado. Eu tenho acompanhado essa obra há três anos e nesses últimos 60 dias que eles deram uma pegada mais ou menos. Falam que em maio desse ano vai estar coberto, mas a gente sabe que não vai estar. A gente vai lá e não tem ninguém fiscalizando. Eu acredito que até maio do ano que vem vai estar pronto, mas se continuar assim, vai ser difícil – afirma Marical.

 Ele tem a esperança de realizar um grande evento esportivo no local no ano que vem 
(Foto: Aline Tonello/Tudo Sobre Xanxerê)

As meninas que estavam na Naja Marical na época do desastre já não estão mais na escolinha por terem passado da idade limite dos treinos oferecidos. Muitas estão jogando e estudando em outras cidades, e saíram daqui sem ver o grande marco, que marcaria a reconstrução completa da cidade após o tornado, pronto. Atualmente as aulas ocorrem no ginásio Beijamin Menegolla, no Bairro Matinho, mas os horários são apertados, pois outras modalidades esportivas também precisam do espaço para serem desenvolvidas.

- O que aconteceu lá com a gente foi um milagre. Aquelas meninas tinham esperança de pisar no ginásio novo para treinar, mas isso não ocorreu. Hoje, estamos treinando no Menegolla, mas com horários apertados porque tem bastante modalidades que precisam do espaço para treinar. Então é importante que o ginásio Sguissardi fique pronto para dar conta de todas essas modalidades. Só temos um ginásio e que ficou quase um ano parado para reforma, então fica complicada a situação do esporte no município. O ginásio foi um marco, e um marco que deixamos de fazer – comenta.

Conforme o treinador, há convite da Federação Catarinense de Voleibol (FCV) e da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) para que Xanxerê sedie a Copa Brasil de Voleibol Feminino em 2019 caso o novo ginásio fique pronto até lá.

- No curso de nível 2 para treinadores de vôlei, que aconteceu em fevereiro deste ano, nos ofereceram a realização da Copa Brasil em Xanxerê para junho do ano que vem. A expectativa é grande, se tivesse pronto até lá, fazer um evento desses aqui seria uma das maiores conquistas para Xanxerê e para mim. Se até setembro estiver coberto, aí a gente vai ver se vai dar para fazer ou não. Tomara que dê certo – finaliza.

A obra

Três meses depois da passagem do fenômeno foi aberta a primeira licitação, que tratou sobre a retirada dos entulhos, mas nenhuma empresa se apresentou em razão do valor oferecido, considerado baixo. Já em agosto, um novo edital foi aberto. O valor foi ampliado, de R$ 25 mil para quase R$ 30 mil e, a empresa Aldivino Angelo Michalichen, de União da Vitória (PR), venceu o processo e fez a retirada de todo material. Os trabalhos iniciaram em setembro e se encerraram em dez dias.


O Governo Federal liberou R$ 3 milhões para a reconstrução. Para isso, era preciso encaminhar uma nova licitação, desta vez para definir a construtora. O edital, então, foi aberto seis meses depois. No dia 14 de outubro de 2015 foi apresentado o novo projeto, considerado arrojado, moderno, com capacidade para 1.800 pessoas, além de praça de alimentação, palcos e quadra poliesportiva. O valor orçado foi de R$ 3,9 milhões, ultrapassando o dinheiro liberado pelo governo.

As empresas vencedoras foram conhecidas em 2016: nove meses depois. Por meio de um consórcio, a Paloma Construtora, de Chapecó, e Construtora Sganzerla, de Irani, se interessaram no serviço. A proposta das empresas foi de R$ 3.748.450,00. A ordem de serviço foi assinada em 6 de dezembro de 2016, com a previsão de início das obras para janeiro de 2017 e término em dez a 12 meses. Os trabalhos iniciaram em abril e a expectativa da administração municipal passou a ser inaugurar o local para o aniversário de 64 anos de Xanxerê, em 27 de fevereiro de 2018, o que não ocorreu devido a atrasos na execução.

A obra segue em andamento e, no momento, é executada a parte interna e colocação da cobertura. A intenção da Prefeitura, agora, é fazer de tudo para finalizar o ginásio em maio deste ano.

- Essa obra do ginásio é o símbolo da reconstrução de Xanxerê. Foi um local que chamou a atenção de todos pela destruição, da forma que ficou. Nossa previsão é que até o fim de maio fique pronto e o atraso se deu por conta das prioridades da administração, que foi a reconstrução da cidade, atender as áreas e bairros atingidos. E, depois disso, iniciamos os encaminhamentos de projetos e licitação – afirma o secretário municipal de Obras, Rivael Freschi.



Assistência social: ainda há atingidos que buscam ajuda do poder público

 Voluntários trabalharam recebendo e separando doações no Parque da Femi em 2015 
(Fotos: Arquivo/Tudo Sobre Xanxerê)

Cerca de 4,5 mil pessoas buscaram auxílio da Secretaria Municipal de Assistência Social após o tornado. Hoje, três anos depois, ainda há moradores que sofrem com o reflexo do dia 20 de abril de 2015 e necessitam de alguma ajuda por parte do poder público.
O trabalho da assistência social em acolhimento e apoio às vítimas foi intenso e se estendeu ao longo dos últimos anos.

- Desde o primeiro momento, quando o evento climático aconteceu, iniciamos acolhendo as pessoas que não tinham para onde ir. Os desalojados foram direcionados à escola Pequeno Príncipe e lá a equipe da assistência ia os auxiliando. Passados dois dias, cerca de 20 pessoas foram remanejadas para o centro comunitário da Igreja Matriz. Demos apoio a esse grupo.  Uma equipe foi a rua para levantamento dos danos e outra ficava na Secretaria atendendo aos que se direcionavam para cá - conta a diretora da Secretaria Municipal de Assistência Social, Luciana Contini, que atuou diretamente na época.


Muitas doações chegaram à cidade e para organizar tudo foram separados pontos de doações. Um deles era o ginásio do Colégio Costa e Silva, em que eram entregues, após cadastro na Secretaria, itens menores como roupas, calçados, utensílios domésticos, colchões, cobertores, água, itens mais emergenciais.

- Ficamos praticamente 40 dias com esse trabalho de entrega e atendimento. Além disso, tínhamos o Centro de Referência de Assistência Social do Bairro Nossa Senhora de Lourdes que atendia o outro lado da cidade e encaminhava à Femi para retirada de donativos - explica.

Após o período emergencial iniciaram os trabalhos para encaminhamento das moradias, por meio das casas modulares e, após, kits mobília.

- Começamos a trabalhar com as famílias que tinham perdido tudo e que tinham interesse nessas casas. Após, iniciamos o processo do kit mobília para as famílias com perca total e que ganharam a casa modular - completa.


O reflexo social, segundo o secretário municipal de Assistência Social, Olci Leonardo, é sentido até hoje, pois pessoas ainda procuram a assistência para auxílio em algum item.

- Uma ou outra pessoa ainda nos procura com reflexos do tornado. Até o final de 2015 teve uma busca frequente das pessoas à assistência, em 2016 já diminui um pouco. Aquelas que estavam reconstruindo, que aguardavam dinheiro para reconstrução, ainda procuravam a Secretaria em busca de mobília para organizar a parte interna, mas já não tínhamos mais muitas coisas – finaliza Olci.


                                                              (por Cristiane Aline Huff/Folha Regional)

CPI do Tornado: como estão os desdobramentos do caso após um ano

 (Fotos: Arquivo/Tudo Sobre Xanxerê)

Confrontando informações e a fim de esclarecer fatos sobre possíveis irregularidades por parte da administração pública na destinação de recursos e materiais de doação aos atingidos, foi aberta em 18 de abril de 2017 a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tornado. Proposta e elaborada pelos vereadores Vilson Piccoli, João Paulo Menegati e Ricardo Lira da Costa, a CPI apurou informações e elaborou um dossiê, que em setembro de 2017 foi entregue ao Ministério Público.

As seis irregularidades destacadas foram:

- Duplicidade de doações para seis pessoas, que teriam recebido casas modulares da Defesa Civil de Santa Catarina e também materiais de construção por parte do município;

- Um servidor público municipal que teria sido contemplado com doações, porém não residia na rota do tornado;

- Diferença entre bens recebidos e bens doados, havendo uma sobra de materiais que deveria estar em algum depósito e que, conforme a prefeitura, não existem;

- A existência de cerca de R$ 35 mil proveniente de doações que ainda estava na conta do município, além de uma motocicleta doada, a qual seu valor deveria ter sido revertido em doações para atingidos;

- Furto das notas fiscais de recebimento de doações;

- Pessoas beneficiadas com doações de material de construção consideradas acima da média.

Segundo o promotor Dr. Marcos Augusto Brandalise, da 2ª Promotoria de Justiça de Xanxerê que estava à frente do caso até março, a partir do momento que foi instaurada a CPI, ela foi separada em três inquéritos: a) destinação de materiais para pessoas que não teriam direito; b) número de materiais recebidos e entregues; c) valor ocioso na conta “Xanxerê Solidária” e destinação da motocicleta recebida por meio de doação.

- Sobre a destinação de materiais a pessoas que não teriam direito, foi apurado que sim, elas estavam na rota e receberam devidamente. O caso do servidor citado que teria recebido doações, ele estava na rota do tornado e foi atingido também. Então neste ponto a CPI errou, apurou uma coisa que não é verdadeira, que não aconteceu e, portanto, não tem como responsabilizar as pessoas – afirma o promotor.

 Promotor Marcos Augusto Brandalise, da 2ª Promotoria de Xanxerê
(Foto: Arquivo/Tudo Sobre Xanxerê)

Conforme Dr. Marcos, foi realizado um trabalho de levantamento de dados, análise de documentos do município e da Defesa Civil, oitiva de testemunhas e diligências in loco.

- Ouvimos todos os engenheiros que participaram. Foram mais de 40 pessoas ouvidas e em nenhum momento ficou estabelecido o que a CPI concluiu. Pelo contrário, foi verificado que em relação a este inquérito as pessoas deveriam ter recebido como de fato ocorreu. É importante destacar às pessoas que fiquem tranquilas, que não vão precisar devolver material, casa, dinheiro, porque não receberam de forma indevida. O critério não era baixa renda, o critério era ter sido vítima do tornado – explica.

Um questionamento comum na sociedade atualmente é em relação ao tamanho da residência construída pelo atingido pós tornado.

- Todas as pessoas indicadas na CPI que teriam recebido indevidamente, elas ainda estão pagando a conta. A renda, o tamanho da casa, não era critério, o critério era ser vítima do tornado e que naquele momento precisava de material sob pena de ficar desabrigada, ainda que por um determinado tempo. Com relação a isto, este inquérito será provavelmente concluído para arquivamento – pontua.


Materiais recebidos x entregues

O inquérito da quantidade de materiais recebidos de doações confrontado com o número entregue, levantado na CPI, ainda está em análise, de acordo com o promotor, pois o cálculo não está fechando com os números apresentados no relatório.

- Todos os cálculos da CPI estão errados. Fizemos vários cálculos, eu fiz pessoalmente, fizemos por um programa de computador, chamamos uma servidora de tecnologia de informação que desenvolveu um programa específico e auditado e não chegamos aos números que a CPI chegou. Eles não dizem como chegaram a este número, qual cálculo foi utilizado. No relatório, está que o município recebeu tantas e distribuiu tantas, e não estamos conseguindo fechar o cálculo. Isso ainda demanda um processo de análise de documentação que foi solicitado ao setor e foi encaminhado, e agora vamos tentar fechar esta questão. Esta é a parte que está em aberto. As outras duas já estão bem encaminhadas – comenta.


Dinheiro em conta

Em 2015 foi criada a conta “Xanxerê Solidária” para receber as doações em dinheiro. Segundo a controladora interna do município, Andreza Gallas, foi arrecadado um total de R$ 657.747,66, tendo como despesa R$ 623.859,95, divididos entre Assistência Social, que utilizou o recurso para aquisição dos kits mobília, e a Secretaria de Obras, que fez a compra dos materiais de construção, como areia, tijolos, itens de pintura para as famílias que não quiseram a casa modular.

O saldo, até 30 de março de 2017, era de R$ 33.877,71. Diante do valor ocioso, o MP fez uma recomendação para que o município desse destinação e encaminhamento do valor para atendimento aos atingidos.  O dinheiro então foi utilizado para compra de materiais de construção. Restavam em conta ainda R$ 5.715,05 que, conforme decisão de uma comissão, foram utilizados para aquisição de lonas para destinação a Defesa Civil municipal para utilização em futuras situações de emergência.

- Foi expedido uma recomendação para que o município destinasse o valor que estava ocioso. A Prefeitura acatou, foi constituída uma comissão, que também foi recomendação. Essa comissão teria que fazer levantamento das pessoas que ainda necessitavam de materiais, fazer a compra e repasse – acrescenta o promotor.

Ainda segundo ele, a Prefeitura agora está precisa apresentar um relatório do que foi feito com o dinheiro, para onde foi e quem recebeu, para comprovar como foi utilizado o valor.

Leilão da moto

No dia 3 de abril deste ano, a Moto Honda NXR Bros 160cc, recebida de doação da empresa Honda do Brasil em 11 de agosto de 2015, foi arrematada em leilão por R$ 10 mil pelo Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de Xanxerê e Região. O valor, segundo Andreza, foi depositado na conta “Xanxerê Solidária”.

- Agora os membros da comissão se reúnem, mas o que já estava decidido é que o valor seria utilizado para capacitação e implementação do plano de contingência municipal de gestão de riscos e desastres – comenta a controladora interna.

Sobre a destinação do valor, o promotor Marcos é enfático.

- Na recomendação do Ministério Publico não falava em capacitação, falava em destinação para pessoas atingidas. O dinheiro não era para capacitar, era para vítimas do tornado. Capacitação de servidores da Defesa Civil municipal é ônus do próprio município, da atividade originária dele. Não tem que utilizar dinheiro de outro lugar para fazer algo que já é de responsabilidade dele. O dinheiro da moto e da conta é para um fim, para pessoas do tornado, não para capacitação de servidor público, isso é atividade que tem que ser paga pelo município, não por doação. Isso já deveria ter sido capacitado lá atrás, não agora – frisa o promotor.


Avaliação

- A CPI teve acertos e erros. Um acerto era que tinha um dinheiro ocioso aguardando encaminhamento. Outro acerto era a motocicleta, que também estava aguardando encaminhamento. Nos demais, são todos pontos negativos, pois não foi uma investigação apurada, técnica e que também não indicou nomes - pontua Dr. Marcos.

Segundo Dr. Marcos, como houve uma redistribuição das promotorias em função da demanda que estava sobrecarregando o MP, atribuições referentes a moralidade administrativa passam para a 3ª Promotoria, sob a responsabilidade da doutora Ana Cristina Boni. A partir de agora, todos os casos envolvendo improbidade na administração pública serão verificadas pela 3ª Promotoria, inclusive a investigação desta CPI.

- Nosso trabalho como promotor do caso se encerra, pois agora a condução deste inquérito será realizada pela 3ª Promotoria – finaliza Dr. Marcos.

(por Cristiane Aline Huff/Folha Regional)

 “A gente não pode mudar o passado, mas podemos prevenir o futuro”


Defesa Civil de Xanxerê trabalha em conjunto com o Estado em plano municipal de contingência

 Ações são coordenadas pela Defesa Civil por meio de centro integrado em Xanxerê
(Fotos: Aline Tonello/Tudo Sobre Xanxerê)

Até 2015, a Defesa Civil municipal contava com um plano de contingência que contemplava a resposta às situações de alagamentos, problemas recorrentes em Xanxerê. Até um simulado havia sido feito para treinar o poder público a como agir em uma situação extrema nesse sentido. Em caso de desabrigados e desalojados, essas pessoas seriam direcionadas ao ginásio municipal Ivo Sguissardi, no Bairro dos Esportes. Com a passagem do tornado em abril daquele ano e o principal abrigo provisório indo ao chão, ficou mais nítida a necessidade de um novo plano de contingência que não apenas contemplasse os problemas já identificados no município, mas que cobrisse todas as falhas da resposta ao pós-tornado e que preparasse inclusive a população para uma nova catástrofe natural.

O coordenador municipal da Defesa Civil, João Borba, explica que o órgão trabalha em parceria com a Secretaria de Estado de Defesa Civil, poder público municipal e a sociedade civil organizada para que o plano de contingência esteja pronto até o fim deste ano e as ações práticas e capacitações ocorram a partir de 2019.

- Estamos trabalhando no plano de contingência, que não vai evitar um próximo tornado, os grandes ventos, as catástrofes, mas vai preparar a população para quando acontecer, onde elas devem ir e o que fazer. Vai melhorar a reação pós-tornado e também trabalhar a parte da prevenção. Esse novo plano está sendo estruturado detalhadamente para contemplar todas as falhas que tivemos. Nós éramos preparados para uma situação de alagamento e tivemos um tornado, fenômeno totalmente diferente e que levou nosso local que serviria de abrigo. Agora trabalhamos na identificação de vários pontos para abrigar pessoas e que esses locais tenham infraestrutura até que as pessoas sejam realocadas. Então estamos escrevendo, precisamos da colaboração de muita gente, secretarias, poder público e da sociedade civil organizada. Nem sempre o poder público alcança onde a sociedade civil organizada tem o braço para alcançar. Então estamos indo devagar porque tem que ser pensado em tudo – explica Borba.

 João Borba, coordenador municipal da Defesa Civil 
(Foto: Aline Tonello/Tudo Sobre Xanxerê)

A primeira parte do mapeamento de risco de Xanxerê já foi feita e a segunda etapa ocorre a partir de maio. Esse levantamento permite estudar a realidade do município, detectando áreas de alagamentos, deslizamentos e as pessoas que residem em locais de risco, por exemplo. A implantação de um Centro Integrado de Gestão de Riscos e Desastres (Cigerd) no município, às margens da BR-282 e da SC-480, também traz a Defesa Civil estadual para mais perto, possibilitando a realização de treinamentos com gestores. Além disso, o local funcionará como ponto para tomada de decisões imediatas envolvendo os órgãos competentes em caso de emergência.

- Agora temos o Cigerd e o Estado vem dando apoio na parte burocrática para que as leis sejam postas em prática o mais rápido possível, porque cada dia estamos mais próximos da próxima catástrofe. Talvez a nossa geração não vivencie outro, talvez sim, mas temos que estar preparados. Sabemos que a parte física de reconstrução do município está praticamente pronta, porém ainda vai demorar muito tempo para sair aquela imagem de destruição que ainda está viva na memória das pessoas – comenta Borba.

Prevenção e gerenciamento de crise

A lei federal 12.608/2012, que trata sobre o sistema de Defesa Civil Nacional, estabelece que os municípios brasileiros cumpram diversas obrigações, como mapeamento, implementação de sistema de alerta, além de estruturação e execução dos planos de contingência. Santa Catarina é o Estado que mais sofreu com desastres naturais nos últimos 20 anos, que tem a maior diversidade desses desastres no país e a maior perda per capita por quilômetro quadrado com isso. Como mais de 60% dos municípios são pequenos, muitos não têm estrutura de Defesa Civil para atender às exigências federais e trabalhar na prevenção e gestão de riscos e desastres.

- Pensando nisso, a Defesa Civil estadual trouxe as ferramentas de mapeamento, contratamos uma equipe técnica para isso, fizemos convênio com a Udesc para treinamento e capacitação para os municípios e fornecemos um sistema, que entrou em funcionamento em abril deste ano, onde eles devem fornecer os dados do plano de contingência, que contempla a identificação dos riscos, os recursos humanos, materiais e equipamentos para trabalhar, além de como vai funcionar o processo de abrigamento das pessoas em caso de desastre. Isso tudo tem que ficar pronto até o fim deste ano para que em 2019 a parte prática inicie – destaca o coordenador regional da Defesa Civil, Luciano Peri.

 Luciano Peri, coordenador regional da Defesa Civil 
(Foto: Aline Tonello/Tudo Sobre Xanxerê)

Mas a melhoria na estruturação da Defesa Civil de Santa Catarina não ocorreu após o tornado em Xanxerê, como muita gente pensa. O marco para que se pensasse defesa civil de outra forma foi em 2008, em um dos maiores desastres naturais já registrados no país. Devido às fortes chuvas que tiveram início na madrugada do dia 22 de novembro daquele ano, 14 cidades decretaram situação de calamidade pública e outras 63 de emergência. Mais de 1,5 milhões de catarinenses foram atingidos pelas enchentes e desmoronamentos de terra, registrados, principalmente, no Médio Vale e Foz do Rio Itajaí Açu e Litoral Norte. Ao todo, 135 pessoas morreram em 16 municípios. Até hoje, duas continuam desaparecidas.

- A Defesa Civil era parte da Secretaria de Segurança Pública. Houve o desvinculamento e, em 2011 foi criada a Secretaria de Estado da Defesa Civil de Santa Catarina para trazer políticas públicas para prevenção, gestão e enfrentamento de desastres. Na época foi feito o plano diretor para a bacia do Rio Itajaí porque tinha sido identificado que era o principal problema do Estado, mas não era. Mais de 54% dos desastres são no Oeste, inclusive os de grande magnitude, então foi começado a perceber que o estado todo tem problema. Então em 2012 a gente começou a fazer o planejamento de defesa civil e que vai até 2029, uma política pública a longo prazo e para todo o Estado. Costumamos dizer que a gente não pode mudar o passado, mas podemos prevenir o futuro – explica Peri.

 Oficina realizada em Xanxerê no ano passado sobre desenvolvimento dos planos de contingência (Foto: Arquivo/Amai)

Radares meteorológicos

Em 2015 foram deliberados padrões de defesa civil a nível mundial com o Marco de Sendai e viu-se a necessidade de que 100% do território catarinense fosse coberto por radares meteorológicos. Também foi definida a criação de centros integrados nas coordenadorias regionais para levar o planejamento mais próximo dos municípios.

- Definiu-se esses pontos e aí aconteceu o tornado. Nos ensinou que precisamos ter uma estrutura preparada na região para reunir pessoas para tomada de decisões nos desastres e gestão do risco. Confirmou que aquele levantamento de 100% de cobertura meteorológica era necessário. 2015 foi crucial para que a gente fizesse a estruturação do radar Oeste em Chapecó. A Defesa Civil já vinha atendendo e se preparando, mas 2015 foi um marco para que a gente sacramentasse o radar no oeste – diz o coordenador.

Com os radares em Lontras, Chapecó e Araranguá em pleno funcionamento e a inauguração dos 20 Cigerds nas regionais, a Defesa Civil de SC já deu um grande passo, mas os municípios e a população precisam fazer a sua parte também.

- A ação do município é a ação mais importante. O Estado vem se estruturando ao longo dos anos, mas o município tem um papel fundamental. O tornado é uma situação complicada. A gente consegue definir área de risco de inundação e deslizamento, por exemplo, mas de tornado não. Mas o município, com plano de contingência, com redução de riscos, vai fazer com que isso esteja dentro da situação de resposta. Eu sei que existe um encaminhamento do município para o plano e treinamento, o que me preocupa é saber qual é a capacitação das pessoas para quando receberem a informação. Hoje, estamos focados na parte de prevenção, preparação e capacitação da população e do processo todo de defesa civil, que é metade do ciclo, e também na resposta, mas estamos desprendendo muito esforço na parte de prevenção porque é mais fácil e mais barato, porque você quantifica a perda material, mas não consegue quantificar a perda de uma vida. E, se a gente conseguir salvar uma vida, já vai estar valendo, mas a gente vai conseguir salvar muito mais do que isso – finaliza Peri.

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