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sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

'Vidas secas' celebra 80 anos e ganha edição especial


Romance do escritor alagoano Graciliano Ramos, lançado em 1938, 'Vidas secas' manteve-se atual com o passar do tempo

Por: Daniel Medeiros

 Graciliano Ramos escreveu "Vidas secas" após período na prisão

Injustiça social, problemas climáticos, fome e migração são componentes de um cenário facilmente identificável nos dias de hoje. Esses temas já eram abordados por Graciliano Ramos (1892-1953) no romance "Vidas secas", que completou 80 anos de publicação em 2018.

Com o passar das décadas, a obra manteve-se atual e entrou para o rol dos grandes clássicos da literatura brasileira. Para brindar o aniversário, a editora Record lançou uma edição especial do livro para colecionadores, com direito a ilustrações exclusivas e reproduções do manuscrito original do escritor alagoano.

O novo projeto editorial e gráfico é assinado pelo designer Leonardo Iaccarino, com desenhos assinados por Renan Araújo. Com capa dura, a publicação recupera detalhes que remetem às origens da obra. Logo nas primeiras páginas é possível ver riscado o título "O mundo coberto de pennas". Era esse o nome que Graciliano insistia em dar ao romance. Mudou de ideia apenas na etapa da revisão, quando as cópias já estavam prontas para rodar, convencido por seu irmão, Daniel Ramos, e o editor José Olympio.

A edição comemorativa do livro traz ainda uma réplica da versão original do conto "Baleia", feita à mão pelo autor, com todas as emendas. O texto, que retrata a morte de um cão, foi o ponto de partida para o romance sobre uma família de retirantes nordestinos. A obra foi escrita em um período de grande turbulência para Graciliano. Ele havia acabado de ser solto da prisão, onde permaneceu por 11 meses, acusado de ser militante comunista.

Mesmo antes de sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1945, o escritor já deixava claro as suas convicções políticas. Em "Vidas secas", a condição do protagonista Fabiano – explorado pelo patrão e oprimido pelo governo – pode ser interpretada a partir do ponto de vista marxista.

"O romance é uma profunda crítica ao capitalismo e ao embrutecimento dos seres humanos", pontua Hermenegildo Bastos. Professor titular aposentado de literatura brasileira da Universidade de Brasília (UnB), ele é quem assina o posfácio da nova versão do livro lançada pela Record.

Sem uma linearidade temporal, a obra é dividida em 13 capítulos que, na opinião de Hermenegildo, "apresentam-se ao leitor como um mural de Portinari". A trama é centrada na luta pela sobrevivência de Fabiano, sua mulher os dois filhos, entre uma mudança e outra, fugindo da fome. Embora o drama da estiagem no semiárido seja o pano de fundo da narrativa, não é esse o elemento central da história.

 Capa da edição especial de 80 anos de "Vidas secas"

"Na época do lançamento de 'Vidas secas', o tema da seca na literatura brasileira já estava relativamente esgotado. A abordagem do tema por Graciliano é absolutamente nova: ele focaliza as subjetividades dos personagens, inclusive, utopicamente, a da cadela", explica.

O animal de estimação da família, talvez, seja o personagem mais icônico do romance. Com características humanas, ela pensa, sonha e age como se fosse gente. "Baleia é um espelho às avessas, porque numa terra de homens embrutecidos e desumanizados, ela é 'humana'. Graciliano nos diz que é possível recuperar a humanidade e que é necessário lutar por ela", afirma.

A profundidade com a qual o criador de "Vidas secas" representou os flagelados da seca, observando mais do que a miséria e aridez, tornou sua obra universal e atemporal. "Graciliano é o grande escritor machadiano, que desconfia de todo pitoresco. Ele nos ensinou a olhar para o interior das pessoas e para as relações sociais de modo crítico. Sem ele não teríamos Clarice Lispector nem Guimarães Rosa", defende.

Serviço:
"Vidas secas" (edição comemorativa de 80 anos)
Autor: Graciliano Ramos
Editora Record, 320 páginas
Preço médio: R$ 69,90

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