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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O poder do silêncio


Uma das novas vozes do budismo, a monja Kankyo Tannier defende a quietude na era da hiperconexão e sugere exercícios para o dia a dia

por Gabriela Borges


Qual é a primeira coisa que você faz ao acordar pela manhã? E qual é a última, antes de fechar os olhos para dormir? É bem provável que a sua resposta seja “olhar o celular”. Para a monja budista Kankyo Tannier, esses dois momentos do dia são importantíssimos e nós os estamos desperdiçando. “São momentos-chave. Precisamos praticar ter consciência dos pensamentos que vem à mente, para observar como estamos nos sentindo, o que esses pensamentos estão nos dizendo, como eles vão influenciar o nosso dia.”

Tannier tem 43 anos e há 15 passa a maior parte do tempo em um mosteiro na Alsácia, leste da França, rodeada de paisagens deslumbrantes, aves, cavalos e gatos. Formada em direito e hoje zen budista, ela vem sendo considerada uma das novas vozes do budismo por seu jeito simples, acessível e amoroso de se comunicar, e seu estilo de vida moderno. Tem um TEDx com mais de 40 mil visualizações, escreve um blog, mantém um canal no YouTube, tuíta quase que diariamente, tem um companheiro e trabalha com PNL (programação neurolinguística) e hipnose, em paralelo ao budismo.

Coerente com os tempos em que vivemos, seu objetivo não é sugerir que a gente deixe de usar o celular, por exemplo, mas que estejamos conscientes do uso que fazemos dele. “Quando pulamos de uma tela a outra, do celular para a televisão, de maneira automática ao longo do dia, esquecemos onde estamos. ‘Perdemos’ nosso corpo ou a sensação de ter um. Somos tragados para uma realidade virtual, que, longe de nos saciar, em geral intensifica nossas carências e fragilidades emocionais”, diz.

Seu objetivo é fazer com que a gente possa usar a tecnologia a nosso favor (uma das dicas simples é baixar aplicativos de meditação no celular). Para isso, a monja tem como foco o poder do silêncio. “Atualmente temos muitas respostas, nunca tivemos tanta informação sobre o mundo, sobre nós mesmos, como agora. O ponto chave é a prática. É preciso praticar, inserir esses exercícios na vida cotidiana. O silêncio não é possível apenas no meio de uma floresta. Não precisamos estar isolados. O silêncio interior pode ser encontrado no coração de uma cidade.”

Tannier esteve no Brasil no mês passado para lançar A magia do silêncio, livro repleto de exercícios simples e práticos para o dia a dia e que já foi traduzido para 12 idiomas. Ela conversou com a Tpm sobre os impactos de uma vida hiperconectada, a importância de silenciar as palavras, o corpo e os olhos, e como tudo isso pode nos ajudar também manter a saúde mental neste ano eleitoral.


Tpm. O que você considera um uso saudável da internet?

Kankyo Tannier. Faz apenas 20 anos que a internet está na vida dos seres humanos. E são só dez anos de redes sociais. Isso mudou completamente a nossa vida. Quando estamos na frente do computador, não temos mais consciência do nosso corpo, estamos só na mente. É como se o nosso espírito estivesse hipnotizado. No Facebook, ao mesmo tempo em que você vê a foto de um gatinho fofinho, vê notícias de crianças mortas nas favelas. Passamos rapidamente de uma imagem para outra, de uma emoção para outra. Às vezes, a gente quer olhar o Facebook para fazer uma pausa, mas, ao final, estamos piores. É um acúmulo muito rápido de emoções diferentes. O ponto importante do meu livro e do budismo é estar consciente das emoções. Sentir no corpo.

Nós perdemos o hábito de prestar atenção? Estamos sempre pensando no depois. Precisamos reaprender a estar presentes e atentos ao segurar um copo ou abrir uma porta, por exemplo. Estamos vivendo um mundo virtual. O desafio é perceber como o mundo real também pode ser bom e dar prazer.

Essa busca por desconexão também pode causar ansiedade e a angústia. Como driblar isso? Quando a gente volta a si mesmo, voltamos ao todo, às coisas positivas e negativas. Geralmente, as pessoas param as práticas ao encontrar emoções que são difíceis de lidar. Mas é como domesticar um animal selvagem, temos que ir aos poucos. É possível começar se desligando de tudo por cinco ou dez minutos e, com o tempo, ir ficando mais à vontade com a prática. As emoções são muito importantes, preciosas. Precisamos acolher as negativas também. Quando acolhemos, elas passam.

Você dá bastante exercícios práticos no livro para o dia a dia. A gente deveria fazer retiros mais longos com frequência ou essas pausas no dia a dia são suficientes? É muito importante sair do cotidiano, porque quando voltamos, estamos diferentes. Assim como aprender a prática formal da meditação, a técnica pura. Quando cheguei aqui em São Paulo, fui conhecer o Templo Busshinji, no bairro da Liberdade. Lá são oferecidas sessões de meditação para iniciantes duas vezes por semana, em que as pessoas são guiadas por monges em grupos grandes de 40/50 pessoas, em que é possível aprender a ficar 40 minutos em silêncio. Aconselho essa experiência a todo mundo. Sozinho é muito mais difícil.

Você vive parte do tempo isolada em uma cabana no bosque, cercada de plantas e animais. O que isso te ensinou sobre a vida? Com os animais, aprendemos a simplicidade. Eles não conhecem nosso nome, tanto faz o que fazemos na vida. É uma conexão no instante presente com o nosso coração, com a nossa energia, sem passado, sem futuro, aqui e agora. Tento entrar em contato com os seres humanos da mesma maneira, sem ter que provar nada, somente ser. Para conseguir isso, é necessário uma consciência do corpo, tem que desconectar. Às vezes, dá medo, com os animais ou com as pessoas, mas tudo bem.

Estamos vivendo um momento muito importante na política brasileira, assim como no resto do mundo. As pessoas estão brigando demais com quem pensa diferente... Tem um ditado budista muito bom: “Nós podemos ser amigos sem concordar”. Isso é precioso. Senão, seríamos amigos só das pessoas que se parecem com a gente.

É mesmo impossível conviver só com pessoas que pensam como a gente. Mas esse é um momento que exige conversas críticas e posicionamento, né? De que maneira o silêncio e a observação podem nos ajudar a ter conversas mais saudáveis? Dizer os motivos de pensar o que você acha é diferente de dizer “esse candidato é ruim”. Quando conversamos com as pessoas, é importante falar com sabedoria. Às vezes, quando não concordamos, não é preciso ficar insistindo nisso. Podemos simplesmente ouvir a opinião do outro e, se for o caso, não se deixar abater por ela. Quando estamos em paz com nós mesmos, nem sempre precisamos ganhar na fala.

No livro, você fala do silêncio dos atos, como espiritualidade ética, passando pelo respeito à terra, o consumo consciente, o vegetarianismo. A meditação pode salvar o mundo? A meditação é a única possibilidade. Quando a gente se conhece, temos consciência das nossas emoções, inclusive as negativas, e podemos ter uma prática mais sábia no mundo sobre como nos relacionamento com as pessoas, como consumimos. Percebemos que temos influência e responsabilidade nesse mundo. Não são os políticos que vão mudar o mundo, somos nós.


Algumas práticas para o dia a dia

“Para mudar o seu funcionamento interior é necessário adotar uma prática regular. É preciso fazer exercícios diariamente.”

Prática 1
Em frente ao computador, fixe um ponto, seja um ícone ou um lugar qualquer da tela. O importante é focalizar seu olhar numa direção precisa. Em seguida, permita que surja uma nova percepção do seu corpo e do mundo que o cerca. Respire! Faça pausas visuais de três minutos a cada duas horas.

Prática 2
Toda manhã, antes de sair da cama, tome consciência de seu primeiro pensamento ao despertar. Deixe-o passar, observe o seguinte e comece o dia de maneira consciente.

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