A menina que roubava livros: um canto à humanidade
Cenário: O nazismo na Segunda Guerra
Local: Alemanha
A Menina Que Roubava Livros,
de Markus Zusak.
[tradução Vera Ribeiro; ilustrações Trudy White].
Rio de
Janeiro: Editora Intrinseca, 2007. (Capa)
“Os seres humanos me assombram.”
“Com absoluta sinceridade, tento ser
otimista a respeito de todo esse assunto, embora a maioria das pessoas,
sinta-se impedida de acreditar em mim, sejam quais forem os seus protestos. Por
favor, confie em mim. Decididamente eu sei ser animada, sei ser amável.
Agradável. Afável. E esses são apenas os “as”. Só não me peça para ser
simpática. Simpatia não tem nada a ver comigo.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007, p. 9.
Esse livro que dispensa apresentações conta a história da pequena Liesel
em meio a uma Alemanha assolada pelo nazismo durante a Segunda Guerra. A jovem
é adotada por um casal que vive em um bairro alemão pobre: a mãe, dona de casa
e o pai, um pintor de paredes bonachão. Para contornar o medo e a solidão, ela
aprender a ler e escrever com o pai e canaliza urgências para a literatura. Em
tempos de livros incendiados, ela os furta, ou os lê na biblioteca do prefeito
da cidade.
Enquanto eles tentam sobreviver a um cenário nacional conturbado, Liesel
assiste à eufórica celebração do aniversário do Führer pela vizinhança, faz
amizade com um menino obrigado a integrar a Juventude Hitlerista e ajuda o pai
a esconder no porão um judeu que escreve livros artesanais para contar o seu
lado da História.
Leia um trecho!
Reflexões sobre o filme baseado no livro de Markus Zusak
– Jesús Sanz Montes*
“A menina que roubava livros” é um filme repleto de
mensagem. Está baseado no livro homônimo de Markus Zusak (2005) e reconstrói as
pequenas histórias anônimas dentro da grande história conhecida.
Em meio a uma guerra cruel, dá-se um relato de
humanidade verdadeira. O pano de fundo é a barbárie nazista da 2ª Guerra
Mundial. As pinceladas do totalitarismo sem sentido são suficientemente
sugeridas pelo ataque à dignidade da pessoa, pela sua própria existência
colocada em jogo, devido à ideologia que um louco conseguiu instaurar com o
incompreensível aplauso e adesão de quase toda a nação.
Também são mostrados alguns traços menores que
igualmente descrevem aquela tragédia enorme que causou tantas vítimas em nome
do nada mais vazio. Lá, aparece o medo, a violência, a mentira, a demagogia, a
inveja, a conspiração, a fuga.
Mas, em meio a toda esta terrível descrição, diante da
qual nunca nos acostumamos, surge esta pequena história que, como um imenso
contraponto, é capaz de vencer a batalha contra toda esperança, porque o amor é
mais forte que a morte, como afirma o livro do Cântico dos Cânticos.
A Menina que Roubava Livros – direção: Brian Percival
(2014)
Há três histórias de amor simples, cheio de verdade e
ternura, dessa ternura que salvará o mundo, como dizia o grande escritor e
teólogo russo Pavel Evdokmov. Em primeiro lugar, está o amor de uma família
que, dentro de sua extrema precariedade, acolhe em seu pobre lar uma menina.
A ternura dos que já tiveram de desempenhar o papel de
pai e mãe emprestados, ainda dentro dos seus matizes temperamentais diferentes,
é uma flor que de repente confere cores ao deserto. É também o amor de duas
crianças, Liesel e Rudi, que, em sua pureza sem ambiguidade, são capazes de
acompanhar-se com seus sonhos e brincadeiras infantis, acima dos trágicos
pesadelos dos adultos.
Finalmente, é o amor da menina protagonista, Liesel,
às letras, palavras e livros, que resgata ou pega emprestados, que vai
escrevendo sua própria biografia, no livro da vida inacabada. É uma constante
na história dos humanos que os amigos das barbáries, da violência, são também
inimigos da vida e da verdadeira cultura. Temos exemplos bem próximos.
A Menina que Roubava Livros – direção: Brian Percival
(2014)
Mas há uma cena particularmente significativa que me
comoveu e que acaba sendo o grande encanto deste filme. Os soldados nazistas
estão detendo um pobre homem judeu. Ele era do povo, morava naquela rua do Céu
(Himmelstrasse), havia nascido lá e todos o conheciam e apreciavam.
Mas, pelo fato de ser judeu, sua condição alemã ficou
manchada e os bárbaros decidiram eliminá-lo. É então que o pai de Liesel entra
em ação, para defendê-lo como um simples concidadão. A agressão brutal que ele
sofre por este gesto o deixa no chão, com a cabeça golpeada. Por que fizeram
isso? E esta é a resposta que se dá: porque ele lhes recordou sua humanidade.
A cena é impressionante, por sua qualidade humana e ao
mesmo tempo pela sua violência. Recordar a beleza, a bondade, a verdade, para
as quais nascemos, pode ser revolucionário. E este é o sofrimento de tantas
pessoas censuradas, perseguidas e eliminadas. Este é o sofrimento dos cristãos.
Recordar a humanidade da qual fomos feitos é uma
maneira de testemunhar o Criador que nos fez sem renunciar ao destino que Ele
nos deu.
* Artigo de Dom Jesús Sanz Montes, arcebispo de Oviedo (Espanha),
publicado originalmente por SIC. Tradução site Alteia.
A Menina que Roubava Livros – direção Brian Percival
(2014)
“Não ir embora: ato de confiança e amor,
comumente decifrado pelas crianças.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007.
“Uma verdadezinha. Eu não carrego gadanha
nem foice. Só uso um manto preto com capuz quando faz frio. E não tenho aquelas
feições de caveira que vocês parecem gostar de me atribuir à distância. Quer
saber a minha verdadeira aparência? Eu ajudo. Procure um espelho enquanto eu
continuo.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007, p.271.
A Menina que Roubava Livros – direção: Brian Percival
(2014)
O FILME
A Menina que Roubava Livros (The Book Thief)
Sinopse:
Adaptação de A Menina que Roubava Livros, do australiano Markus Zusak, o filme
acompanha a história de Liesel Meminger (interpretada pela canadense Sophie
Nélisse. Durante a Segunda Guerra Mundial, Liesel e seu irmão são deixados
pelos pais e adotados por um casal vivido por Geoffrey Rush (O Discurso do Rei)
e Emily Watson (Anna Karenina). O garoto morre no trajeto e é enterrado por um
coveiro que deixa cair um livro na neve. Ela aprende a ler com o incentivo de
sua nova família e Max, um judeu refugiado que eles escondem baixo às escada.
Para Liesel e Max, o poder das palavras e da imaginação se transformam em
escape dos tumultuosos eventos que acontecem ao seu redor. Em meio ao caos, a
jovem encontra refúgio na literatura para sobreviver. Ajudada por seu pai
adotivo, ela passa a roubar livros e descobrir neles a esperança perdida
durante a guerra.
Gênero:
Drama, Guerra
Origem:
Estados Unidos, Alemanha
Ano: 2014
Duração: 131
min.
Direção:
Brian Percival
Roteiro:
Markus Zusak, Michael Petroni
Produção:
Karen Rosenfelt, Ken Blancato
Fotografia:
Florian Ballhaus
Trilha Sonora: John
Williams
Estúdio: Fox Film, Studio Babelsberg Motion
Pictures
Montador: John
Wilson
Distribuidora: Fox
Film do Brasil
Elenco:
Barbara Auer, Beata Lehmann, Ben Schnetzer, Carina N. Wiese, Carl Heinz
Choynski, Emily Watson, Geoffrey Rush, Gotthard Lange, Heike Makatsch,
Hildegard Schroedter, Julian Lehmann, Kirsten Block, Levin Liam, Ludger
Bökelmann, Matthias Matschke, Nico Liersch, Nozomi Linus Kaisar, Oliver
Stokowski, Paul Schaefer, Rafael Gareisen, Rainer Bock, Rainer Reiners, Robert
Beyer, Roger Allam, Sandra Nedeleff, Sebastian Hülk, Sophie Nélisse
Classificação: 12
anos
* Disponível dublado no Youtube.
“No cômputo final, ela possuía quatorze
livros, mas via sua história como predominantemente composta por dez deles.
Desses dez, seis foram roubados, um apareceu na mesa da cozinha, dois foram
feitos para ela por um judeu escondido, e um foi entregue por uma tarde suave,
vestida de amarelo.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007, p. 31.
A Menina Que Roubava Livros, de Markus Zusak.
[tradução Vera Ribeiro; ilustrações Trudy White].
Rio de Janeiro: Editora
Intrinseca, 2007.
“Quando a Morte
conta uma história, você deve parar para ler”
O LIVRO
ZUSAK, Markus*.
A Menina Que Roubava Livros. [tradução Vera Ribeiro; ilustrações Trudy White].
Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007. {Titulo original: The Book Thief. Markus
Zusak. Illustrator Trudy White. Published by Picador (Australia) in 2005}.
A trajetória de Liesel Meminger é contada por uma
narradora mórbida, surpreendentemente simpática. Ao perceber que a pequena
ladra de livros lhe escapa, a Morte afeiçoa-se à menina e rastreia suas pegadas
de 1939 a 1943. Traços de uma sobrevivente: a mãe comunista, perseguida pelo
nazismo, envia Liesel e o irmão para o subúrbio pobre de uma cidade alemã, onde
um casal se dispõe a adotá-los por dinheiro. O garoto morre no trajeto e é
enterrado por um coveiro que deixa cair um livro na neve. É o primeiro de uma
série que a menina vai surrupiar ao longo dos anos. O único vínculo com a
família é esta obra, que ela ainda não sabe ler.Assombrada por pesadelos, ela
compensa o medo e a solidão das noites com a conivência do pai adotivo, um
pintor de parede bonachão que lhe dá lições de leitura. Alfabetizada sob vistas
grossas da madrasta, Liesel canaliza urgências para a literatura. Em tempos de
livros incendiados, ela os furta, ou os lê na biblioteca do prefeito da cidade.
A vida ao redor é a pseudo-realidade criada em torno
do culto a Hitler na Segunda Guerra. Ela assiste à eufórica celebração do
aniversário do Führer pela vizinhança.
“Mas Rudy Steiner não pôde resistir a um
sorriso. Em anos vindouros, ele seria um doador de pão, não um ladrão — mais
uma prova de como o ser humano é contraditório. Um punhado de bem, um punhado
de mal. E só misturar com água.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007, p. 150.
“[…] aquelas eram as mais pobres almas
ainda vivas […] Seus rostos macilentos esticavam-se pela tortura. A fome os
devorava, enquanto eles seguiam em frente, alguns olhando para o chão, para
evitar as pessoas […] Alguns lançavam olhares súplices para os que tinham ido
observar sua humilhação […] Outros imploravam que alguém qualquer um, desse um
passo à frente e os tomasse em seus braços.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007, p. 341.
“Foram jogando tudo para cima. Quando mais
um pedaço de parede partida foi retirado, um deles viu o cabelo da menina que
roubava livros. O homem deu uma risada de puro prazer (…). Houve uma grande
alegria entre os homens que gritavam em algazarra, mas não pude compartilhar
inteiramente de seu entusiasmo. Antes disso eu havia segurado o papai dela num
braço e sua mamãe no outro. Duas almas muito suaves.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007, p. 432.
The Book Thief. Markus Zusak –
Illustrator Trudy White (2005)
Sobre o autor do
livro
* Markus Zusak
nasceu em 1975 em Sydney, Austrália, onde mora até hoje. Tem cinco livros
publicados: o best-seller A menina que roubava livros, Eu sou o mensageiro
(ambos pela editora Intrínseca), The underdog, Getting the girl e Fighting
Ruben Wolfe.
“Uma
pequena teoria: as pessoas só observam as cores do dia no começo e no fim, mas
para mim, está muito claro que o dia se funde através de uma multidão de
matizes e entonações, a cada momento que passa. Uma só hora pode consistir em
milhares de cores diferentes. Amarelos céreos, azuis borrifados de nuvens.
Escuridões enevoadas. No meu ramo de atividade, faço questão de notá-los.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007.
Sophie Nélisse e Nico Liersch em cena de ‘A Menina que Roubava Livros’
–
direção: Brian Percival (2014)
“O ser humano não tem um coração como o
meu. O coração humano é uma linha, ao passo que o meu é um círculo, e tenho a
capacidade interminável de estar no lugar certo na hora certa. A consequência
disso é que estou sempre achando seres humanos no que eles têm de melhor e
pior. Vejo sua feiura e beleza, e me pergunto como uma mesma coisa pode ser
duas. Mas eles têm uma coisa que eu invejo. Que mais não seja, os humanos têm o
bom senso de morrer.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007.
A Menina que Roubava Livros – direção: Brian Percival (2014)
“Tive vontade de dizer muitas coisas à
roubadora de livros, sobre a beleza e a brutalidade. Mas que poderia dizer-lhe
sobre essas coisas que ela já não soubesse? Tive vontade de lhe explicar que
constantemente superestimo e subestimo a raça humana – que raras vezes a estimo
(…) tudo o que pude fazer foi virar-me para Liesel Meminger e lhe dizer a única
verdade que realmente eu sei. Eu a disse à menina que roubava livros e digo a
você agora. Última nota de sua narradora: os seres humanos me assombram.”
– Markus Zusak, no livro “A Menina Que Roubava Livros”. [tradução Vera
Ribeiro]. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2007, p. 478.
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